O médico como remédio

“Fascinava-me o princípio da semelhança, base da homeopatia, e sobretudo o ‘fenômeno instantâneo’ que ela igualmente conhece. Ele revela que o corpo tem a capacidade de reestruturar-se instantaneamente mediante um impulso curativo correspondente, e que até mesmo fortes sintomas e quadros de doenças podem regredir em pouco tempo. A capacidade do corpo para uma remissão espontânea marcou minha busca por uma ação curativa e, apesar de minha convicção de que o fenômeno da cura vai além de nosso alcance, sempre me preocupei com a otimização de projetos integrais de tratamento.

Na homeopatia eu sentia dificuldade para encontrar a medicação adequada dentro do repertório, e também me incomodava a dependência com relação a remédios. Devo a meu sogro, K. J. Eick, o acesso à radiestesia médica. Em seu consultório aprendi não apenas a testar remédios homeopáticos para os pacientes, mas também a identificar no corpo deles zonas de perturbação. Esse método de sintonização é para mim até hoje uma base essencial no trabalho com as constelações. Com a aprendizagem desses métodos de teste comecei a entender os processos de cura como fenômenos de ressonância e de campo.

Meu ideal passou a ser, progressivamente, que o médico ou curador se torne ele próprio um remédio no sentido homeopático e que, por meio de sua presença no paciente, precipite as mudanças. O terapeuta é um catalisador da mudança curativa no paciente. Não é ele que cura, mas ele cria condições para que alguém se cure.

A busca constante de métodos eficazes de tratamento levou-me a Bert Hellinger num seminário de constelações. No trabalho com doentes, vivenciei Bert Hellinger como alguém que, sem a ajuda de remédios, por meio de sua percepção, de seu ser e de sua ação, tinha o poder de desencadear processos curativos em pacientes. Meu sentimento foi de ter encontrado o que buscava.

A partir do estudo da tradicional medicina chinesa e da patologia dos humores da Grécia antiga, em cujos modelos de pensamento a doença é vista como perturbação de uma ordem, não me era estranha a conexão entre saúde e ordem. Assim ficaram rapidamente claras para mim as compreensões de Bert Hellinger sobre ‘as ordens do amor’ nos sistemas humanos e sua potencial importância no contexto da medicina. Pela aplicação do método das constelações em doentes, evidenciou-se de imediato que não pode se exercer uma medicina integral sem a inclusão da família ou do ambiente social relevante do paciente.

Hoje o trabalho de constelações com doentes tornou-se a principal atividade de prática profissional diária. Note-se que esse procedimento não é um método autossuficiente. Ele constitui a pedra fundamental num modelo integral de tratamento ou de terapia. O ‘constelados’ é um assistente do médico ou do terapeuta, e não tem a intenção de substituir os seus métodos de tratamento e de aconselhamento. Contudo, principalmente quando procedimentos usualmente eficazes não proporcionam o resultado desejado ou esperado, olhar para o quadro de fundo multigeracional da família abre novas possibilidades adicionais.”

Trecho extraído do livro: “Constelações Familiares e o Caminho da Cura”, Ed. Cultrix. (Stephan Hausner)

Exclusão, aceitação e sintonia

“As constelações sistêmicas mostram claramente que muitos problemas, principalmente quando têm relação com a saúde, podem estar associados à exclusão de uma ou de várias pessoas, ou a acontecimentos relevantes na história da família. Por trás de uma exclusão consciente ou inconsciente existe, via de regra, uma sobrecarga emocional proveniente de uma experiência traumática ou uma decepção dolorosa. Na sobrecarga emocional, a exclusão é inicialmente um recurso para se preservar a vida. Frequentemente esse mecanismo passa a constituir um padrão condicionado e persistente sob a forma de projeções inconscientes sobre outras pessoas. Muitas dessas experiências dolorosas primárias levam mais tarde a julgamentos negativos, recriminações e cobranças. Todas elas atuam nos relacionamentos, separando ou ligando, e muitas vezes é por intermédio de uma doença que a pessoa envolvida é levada posteriormente a refletir e a mudar.

Contrariamente aos efeitos das exclusões que amarram, enredam e limitam a vida, a sintonia, a aceitação e o reconhecimento são vividos como liberadores e salutares.

Somente quem se harmoniza com o seu passado fica livre para o futuro. Quem luta contra o que passou permanece amarrado, quer se trate de sua própria vida, como uma perda, uma separação prematura dos pais ou uma decisão errada, quer se trate de algo que transcenda a sua própria pessoa e se relacione à história de sua família.

As constelações sistêmicas com doentes sugerem que olhar para a própria vida muitas vezes não é suficiente para um alívio ou para a cura. A doença deve ser considerada em sua vinculação ao contexto transgeracional da família, e não deve ser considerada apenas como um acontecimento pessoal do paciente.”

Trecho extraído do livro ” Constelações Familiares e o Caminho da Cura”, Stephan Hausner

“…e começa com o fim.” (R. M. Rilke)

“Se no final deste livro, cabe ao autor desejar algo, seria que a medicina, em sua maneira de olhar a pessoa doente, leve devidamente em conta a perspectiva multigeracional da terapia familiar sistêmica quanto à origem das doenças e à persistência dos sintomas, e que o trabalho de constelações com doentes ganhe o lugar e o valor que, no meu modo de ver, ele merece dentro dessa abordagem.

Além disso, alimento o desejo de que os conhecimentos e as luzes resultantes do trabalho de constelações com doentes se difundam e conduzam a uma compreensão mais ampla da saúde e da doença na sociedade.

Como seria bom se as nossas crianças aprendessem na escola essas conexões, e se a dietética, como doutrina das medidas que contribuem para a saúde do corpo e da alma, recuperasse sua importância original!

O trabalho das constelações pode ser considerado como um método, mas ele é também uma doutrina sobre as relações humanas, uma filosofia de vida, uma atitude de vida e uma forma de vida.”

joan

É a relação de casal um bom lugar para procurar a felicidade?

Felicidade, amor e ordem no casal

Joan Garriga – Junho 2005

Como seres humanos estamos obrigados a cuidar de nós mesmos ao longo de nossa vida, a nós conduzir segundo a direção e o sopro de nossos valores e do nosso espírito e a procurar este desejado graal que chamamos de felicidade.

Se fala que a riqueza não traz a felicidade mas por desgraça somente os ricos sabem disso. O mesmo ocorre com o poder, a fama, ou com qualquer outro assunto no qual a gente coloca as nossas fichas. É especificamente humano procurar a felicidade e ainda mais específico procurar por ela nos lugares errados. A sabedoria e a coragem consistem em assumir os erros em vez de persistir neles, em desandar caminhos que se mostram infrutíferos e se reorientar de novo na direção do essêncial.

A pergunta relevante é: a relação de casal é um bom lugar para procurar a felicidade? A resposta é sim e não ao mesmo tempo. Sim porque é sabido que na relação com vínculos estáveis, confiáveis e carinhosos as pessoas se sentem melhor e inclusive vivem mais. Não porque o vínculo de casal obriga seus membros a importantes ajustes no seu ego pessoal, nas suas lealdades familiares e nos seus estilos afetivos.

Qualquer psicoterapeuta com experiência viu desfilar no seu consultório  pessoas ou casais frustrados, doloridos e desorientados pelos seus desafios na relação. Hoje em dia se fala de “monogamia sequencial” o que significa que é muito provável que ao longo de nossa vida venhamos a ter dois, três ou quatro relações estáveis com um custo emocional alto pelo processo de criar vínculos e de soltá-los quando termina o caminho em comum.

Tudo tem um final pelo simples fato de ter tido um começo. A relação de casal também, as vezes com a morte de um dos membros, as vezes muito antes. Tudo está sujeito a transitoriedade e tudo o que adquire uma forma se desvanece em algum momento. Talvez a felicidade esteja relacionada com a atitude de dançar alegremente com as formas que criamos ou que são criadas na nossa vida, independente de como elas sejam. Mais ou menos assim: está bem se acontece A mas também está bem se acontece B, mesmo que o meu desejo seja que acontecesse A.

A vida tem propósitos que nem sempre encaixam com nossos desejos pessoais. Encontramos a felicidade quando a vida atende os nossos desejos, ou quando nos subordinamos ao projeto da vida, ou quando ambos fatores, o que desejamos e o que acontece, podem ser aceitáveis para cada um? Que cada um responda e assuma sua resposta.

O aspecto afetivo nos toca profundamente e, frequentemente, nos deixa mais frágeis e vulneráveis do que gostaríamos. Quando trabalhamos com casais quase nunca se trata de um problema de falta de amor e sim de redirecionar as forças para que o crescimento e o bem-estar sejam permitidos. O método das constelações familiares aplicadas ao âmbito da relação de casal permite desvelar de forma rápida as dinâmicas que mantém as dificuldades e gerar os movimentos necessários para a transformação e a mudança na direção que seja adequada.

Também muitas pessoas que não estão numa relação de casal, mas desejam estar, podem encontrar um bom lugar a partir do qual se dirigir na direção do parceiro/a. Algumas das ideias chave que olhamos no trabalho são as seguintes.

A relação de casal é uma relação entre adultos e não materno ou paterno filial. Quando as demandas e expectativas com relação ao parceiro/a são grandes é necessário voltar o olhar na direção dos pais e revisar os assuntos pendentes e tomar deles o que pode ser tomado. As pessoas que conseguem restaurar o vínculo amoroso com as suas origens vão ao encontro de seu parceiro/a com expectativas mais razoáveis e adultas.

Para falar de forma simples, eles não agem mais como órfãos. A relação materno-filial se sustenta na desigualdade e no controle dos impulsos sexuais; por outro lado a relação de casal se sustenta na igualdade hierárquica e na entrega sexual.

Todas as pessoas temos crescido dentro de um marco relacional familiar no qual temos interiorizado e desenvolvido modelos e estilos afetivos que são naturais para nós e que estão a serviço de evitar a dor das feridas do coração e de preservar os vínculos. Temos estilos controladores, dependentes, sedutores, lacônicos, agressivos e um longo etcétera. Quando duas pessoas se juntam, põem em dança dois estilos afetivos que tendem a se complementar em beneficio do crescimento ou enfraquecimento mútuo, ou eles entram em colisão causando abruptos choques e mal-estar na relação. O que ajuda é que o casal desenvolva estilos afetivos e modos de troca que façam eles crescer e que lhes tragam um certo bem-estar. A troca negativa fortalece os vínculos, e as pessoas, mesmo que estejam expostas aos maus tratos, sentem uma enorme dificuldade de encarar o terror de perder o outro.

O amor não basta para que uma relação dê certo. Mesmo que muitos pensem que o amor é uma grande força e que pode contra tudo, na prática vemos que a ordem é uma força maior. Quando a ordem é respeitada o amor no casal se desenvolve com mais facilidade. A ordem consiste em dar prioridade para a relação de casal formada ou para a nova família formada perante os sistemas anteriores ou de origem.

Algumas pessoas permanecem tão amarradas nas suas famílias de origem que não conseguem ocupar verdadeiramente seu lugar de homem ou mulher ao lado de seu parceiro/a. Entre sistemas a ordem da a prioridade para o último sistema formado. Entre as pessoas a ordem é respeitada quando os posteriores não se intrometem nas questões dos anteriores. É muito comum encontrar filhos que se atribuem lugares que não lhes correspondem e se sentem os parceiros/as invisíveis de seu pai ou de sua mãe, ou se sentem pais de seus pais, etc. O que vemos é que os sistemas familiares se comportam como se tivessem uma mente comum e as pessoas se implicam com as cadeias de fatos fundamentais acontecidos, especialmente os derivados da sexualidade, da violência ou da morte e dos lutos. Ai onde os pais não foram felizes, ou houve irmãos doentes ou que faleceram cedo, ou tios que foram excluídos ou avós que sofreram na guerra por exemplo, geram-se atmosferas que mantém sua influência por várias gerações e faz que os que chegam posteriormente se impliquem e assumam sacrifícios e sofrimentos pensando que assim servem ao sistema.

O melhor presente que as pessoas podemos fazer ao nosso sistema e aos nossos pais é ter uma boa vida, proveitosa e realizada. Mas muito frequentemente o nosso coração infantil tenta ser leal aos nossos antepassados através da infelicidade.

Assim, as vezes um homem ou uma mulher não se conectam no lugar profundo ao lado de seu parceiro/a. Não tomam o seu lugar. Então é necessário revisar as imagens e as lealdades familiares interiorizadas e honrar as pessoas e os fatos tal como foram para poder deixá-los nos passado.

Também o casal tem a sua história e se expõe a vivências e fatos que potencialmente podem fortalecer ou debilitar. Nascimentos, doenças ou mortes dos filhos, abortos, desequilíbrios no intercâmbio sexual ou no dar e receber, limites e regras da relação com as famílias de origem ou as famílias anteriores, dificuldades econômicas, morte dos pais, etc., põem à prova a fortaleza e a capacidade do casal. Geralmente a solução consiste em saber levar juntos os acontecimentos difíceis em vez de se inclinar perigosamente* na direção da salvação ou do jeito pessoal de agir.

A patologia principal quando trabalhamos com casais e com famílias é o empenho que as pessoas colocam em dividir o mundo e os membros familiares em bons e ruins. De fato isto é a semente de todas as guerras. Algo se concerta e se reconcilia ou se constrói quando todos podem ser respeitados e podem preservar sua dignidade. Muitas pessoas sofrem no seu coração por sentir que um dois pais tem o lugar de bom e outro o lugar ruim e assim perpetuam a guerra interior.

Nos casais não existem bons e ruins e mesmo que cada pessoa possa encontrar os argumentos para justificar sua posição e prorrogar o seu sofrimento nada se consegue com a rejeição e a condenação. Simplesmente aquilo que rejeitamos nos persegue com mais força. Assim as vezes é preciso que a gente se entregue, que nos exponhamos aos sentimentos tanto furiosos como doloridos, ao soltar, ao reconhecer limites, e sempre podemos fazer isso através do amor e da responsabilidade, resistindo à humana tentação de repartir culpas nos demais, o que nos converte em juízes e portanto em vítimas de nossa falsa superioridade, ou de nos atribuir a culpa o que nos converte em orgulhosos e importantes demais, já que só os que acreditam ser tão importantes estocam culpas.

São muitos os assuntos que trazem ar fresco e alívio e novos caminhos para as pessoas e casais. Mas nunca devemos esquecer que não sabemos tudo, e que é necessário o espaço para o mistério. Como se falava na antiga Grécia, existe um projeto maior do qual não conhecemos todos os detalhes, e que nos subordina frequentemente de uma forma mais sábia do que reconheceríamos se tivéssemos a humildade suficiente.

Artigo: Felicidade, amor e ordem no casal, Joan Garriga, Junho 2005, Blog do Instituto Gestalt de Barcelona

Tradução livre autorizada  em Maio 2018: M. Natalia M. H. Kopacheski

 

 

*(“escorarse” original no espanhol, verbo que representa a inclinação perigosa do barco para um dos lados)

 

 

 

 

 

 

Pais (Stephan Hausner)

As crianças são os seus pais e os reconhecem em si. Por isso não se pode enganá-las a respeito dos seus pais. Quando são mantidas em incerteza ou falsamente informadas sobre os seus pais verdadeiros, isso provoca nelas divisão e insegurança. Nesse caso, a criança vê os seus ‘pais’ mas não se sente como seu filho (a), e geralmente busca inicialmente o que está errado em si mesmo(a) para justificar essa insegurança. O que se passa com uma criança quando, talvez ao completar 18 anos, vem a saber que o pai não é o seu pai, ou que foi adotada, ou ainda vem a saber disso mais cedo, por intermédio de outras pessoas?
Embora, por meio das constelações, muitos segredos sejam revelados, faço uma advertência para que não se abuse desse método com essa finalidade. Quando existe uma fundada suspeita quanto a uma paternidade, o verdadeiro esclarecimento só é fornecido pelo teste de paternidade. Enquanto o pai ou o filho tiver dúvidas, o amor não poderá fluir.

Trecho extraído do livro: “Constelações Familiares e o Caminho da Cura” (Stephan Hausner) (Cultrix 2010)

Confiar em si mesmo (Joan Garriga)

Por que não confiamos em nós mesmos? Porque acreditamos que existem aspectos nossos que podem jogar contra nós. Ou bem porque não os conhecemos e nos assustam, ou porque não compreendemos que, na vida, em nossas ações e decisões, não se trata tanto de acertar como de aprender. Acreditamos não sermos suficientemente bons, menos válidos, mas com relação a que?

Confiar em si mesmo é confiar em que todas as nossas facetas têm alguma coisa a dizer, que cada uma é valiosa. Que não existe uma forma única de fazer as coisas, mas que cada um tem a sua forma de fazer. Confiar em que saberemos nos ver, nos escutar, e escolher a cada momento aquilo que seja mais conveniente (mesmo que nem sempre seja o caminho mais obvio). Confiar em que a vida aposta e torce pelo nosso crescimento. Confiar mas do que no “sucesso”, em nossa capacidade de aprender do erro, de nos perdoar, de nos amar e de continuar em frente pese a tudo.

Confiar em si mesmo consiste em saber com mente, corpo e alma que algo é possível e merecido para nós. Mas podemos desfrutar da verdadeira confiança unicamente na sua justa medida, no fiel equilíbrio da balança.

Alguns por exemplo, padecem de déficit de confiança, e sabendo ou podendo mais do que acreditam, ficam retraídos e são cautos em suas ações. Arriscam pouco, bem embaixo do nível de suas capacidades. Entregam menos daquilo que possuem e não abrem mão daquilo que eles têm. Mais do que humildes são covardes e deveriam reconhecer neles uma maior grandeza.

Outros, ao contrário, padecem de excesso de confiança, e podendo ou sabendo pouco sobre algo, se colocam no topo de uma personagem inventada, e vão além de seus conhecimentos, capacidades e limites, entregando gato por lebre, causando estropícios ou causando danos a si mesmos. Arriscam por cima de suas capacidades e a realidade os confronta com sua verdade interior e lhes devolve os seus limites. Devem aprender humildade.

Por isso, a tarefa consiste em saber com nitidez o que é possível e merecido para nós, matriz da confiança.

Joan Garriga (tradução livre autorizada pelo autor M. Natalia M. H. Kopacheski)

Sócio fundador do Institut Gestalt. Psicólogo. Diplomado em Psicoterapia Humanista.

Publicado no blog do Institut Gestalt em janeiro 2016

 

A fraternidade danificada nas famílias. Reflexões a partir das Constelações Familiares.

Uma das maiores, explosiva porém pouco barulhenta guerra que se trava todos os dias, acontece no campo de batalha familiar, no interior dos muros que guardam tantos segredos. Especialmente a guerra de homens contra mulheres e de mulheres em contra de homens. Sobre tudo no âmbito do casal. A guerra que ocasiona mais vítimas é a do pai contra a mãe e vice versa. Isto porque uma porção enorme de sofrimento dos filhos nas famílias provém da relação violenta, que machuca, e que não respeita, que experimentam, ou incluso exibem, os pais entre eles. Ante isto o filho fica inevitavelmente condenado, com dor e perdido. Introjetará a atmosfera belicosa e infeliz do que vê, e fará acrobacias interiores para seguir amando a ambos os pais de alguma forma.

A relação de casal deveria desenvolver também a dimensão fraterna e amigável do amor, de forma que pudesse se expressar na fórmula: “estamos juntos, estamos em nosso lugar de pais, gerenciamos nossos assuntos do nosso jeito, e cultivamos a paz e o amor entre nós, como amigos entranháveis, incluso na hora das desavenças ou da separação.” Claro que o paraíso afetivo é um ideal nas famílias, fácil de sonhar, porém muito difícil de atingir. É óbvio que estamos doentes de desamor e que a praga emocional se reproduz geração trás geração. Por isso nunca é demais o trabalho do filho com os pais para lograr paz no seu coração, e muito especialmente o trabalho do filho no que diz respeito à relação dos pais entre si. Uma enorme porção de sofrimento dos filhos e dos irmãos é diretamente proporcional à guerra entre os seus pais.

Quando existe respeito e cooperação entre os pais, é rara a presença de conflitos sérios entre irmãos. Prevalece o amor e o respeito como um reflexo do modelo de respeito e amor da relação entre os pais. Se olhamos para os irmãos veremos frequentemente, que os conflitos graves entre irmãos reproduzem disputas e graves guerras entre os pais. A equação é simples: alguns irmãos tomam partido por um, e outros irmãos por outro. E lutam e litigam com a maior das paixões. Então o amor cooperativo, fraternal, pode se tornar ódio competitivo. Apenas percebem que odeiam e lutam em nome de seus pais. Por exemplo, se olharmos para os ciúmes que andam junto com a sede de amor da criança, eles não se multiplicam nem são estimulados, se os pais estão claramente no seu lugar e não reproduzem cenários antigos de falta ou triangulação com seus pais…

Outro âmbito no qual se agravam os conflitos entre irmãos no seio das famílias é na hora das heranças e da distribuição de bens familiares. O que está perturbado nesse caso é a dinâmica de tomar aquilo que vem dos pais na primeira infância, que se atualiza depois na forma de rivalidades e competições perante a carniça dos bens. Logicamente todo isto se nutre da inconsciência dos pais e de sua dificuldade para tomar claramente o seu lugar, para além de seus próprios jogos psicológicos com os filhos ou do uso egocêntrico e manipulativo que fazem com eles. Os filhos ficaram transtornados na satisfação de suas necessidades por não receber o adequado ou o necessário, ou por não ter sabido transformar o recebido em suficiente. São paixões que como células dormidas de nossa infância acordam quando adultos assim que encontram sua oportunidade, por exemplo, perante uma herança. Nessa hora queremos compensar os nossos sacrifícios ou nossas faltas e assim velhas rivalidades são atualizadas.

São ideias simples, porém, tomara que nos orientem no cenário tão importante de nossos afetos e nos façam sentir a contundência da seguinte frase da qual não lembro a autoria: “quem tem um irmão tem um tesouro”.

Por Joan Garriga

Sócio fundador del Institut Gestalt. Psicólogo. Diplomado em Psicoterapia Humanista.

 

Publicado em 24 de Outubro 2017 no Blog do Institut Gestalt de Barcelona

Tradução livre M. Natalia M. H. Kopacheski em 6 de Maio 2018

 

Doença e identificação com parceiros/as anteriores dos pais

“As relações anteriores dos pais e dos avós podem ter uma forte influência na dinâmica familiar. Qualquer que tenha sido o motivo para a separação ou para o término da relação, a solução requer que o parceiro/a anterior seja reconhecido/a. Se os/as parceiros/as anteriores não são honrados/as, serão representados/as por filhos na relação posterior.

Esta identificação dos filhos manifesta-se com maior gravidade, e também por isso com a correspondente tendência a adoecer, quando os parceiros/as anteriores são tratados/as com desprezo ou tiveram um destino difícil, como por exemplo, se morreram na guerra, terminaram com problemas psiquiátricos ou se suicidaram.”

Trecho extraído do livro: “Constelações Familiares e o caminho da Cura” (Ed. Cultrix, Stephan Hausner)

 

Pais que amam os seus filhos (Joan Garriga)

“Filho, você é muito mais importante para mim do que o seu pai.”

“Filha, você vale mais no meu coração do que sua mãe.”

“Filho/a, não ame o seu pai, diminua ele assim como eu faço e sobre tudo não seja igual a ele.”

“Filho/a, não consigo entender como eu pôde amar sua mãe, mas sem dúvida você é muito importante para mim, você é melhor do que ela.”

Mesmo que não sejam ditas abertamente nas famílias, estas e outras frases parecidas, às vezes são verdades interiores para os pais e nutrem o clima familiar de dinâmicas fatais na tríade relacional mais importante que vivemos ao longo da vida: a tríade pai, mãe e filho.

Convém ter presente, em primeiro lugar, que os filhos não seguem tanto o que os pais falam e sim o que os pais sentem e fazem: os filhos se sensibilizam com a sua verdade. Entre outras coisas, porque a verdade de nossos sentimentos pode ser negada ou camuflada mas não pode ser eliminada, e por isso, age e manifesta-se no nosso corpo. É parte constituinte do nosso ser.

Por isso é importante que trabalhemos com nossa verdade e a transformemos se for necessário e se gera sofrimento para nós ou para os nossos filhos. É obvio que ajuda se abster de expressões que ferem o outro progenitor na frente de nossos filhos, mesmo que estejamos bravos ou carregados de motivos. É um sucesso ainda maior trabalhar em si mesmo para restaurar o amor e o respeito, dar o melhor lugar ao outro progenitor na frente de nossos filhos, mesmo se tratando de um casal infeliz ou de uma separação dolorida e turbulenta. Lembremos que os filhos não se separam dos pais. Para eles os pais seguem juntos como pais. Os pais se separam como casal (vivendo juntos ou não), mais é impossível se separar como pais.

Em segundo lugar, convém ter consciência de que as vivencias e posturas que adotamos nesta tríade fundacional com os nossos pais irão trazer grandes consequências, favoráveis ou desfavoráveis, em nossa vida e determinarão se vislumbraremos horizontes afetivos felizes ou infelizes. É chave para o futuro dos filhos, para que estejam bem inseridos no amor de seus pais que eles (os pais) consigam se amar, pelo menos como progenitores de seus filhos, já que na maioria dos casos algum dia no passado se escolheram e se amaram como casal. E os filhos chegaram depois como fruto e consequência desta escolha.

Talvez eu não esteja dizendo nada que não seja conhecido, e mesmo assim, estas ideias que são do senso comum surpreendem por serem tão raras na realidade. De fato, escrevo sobre o amor entre pais e filhos depois de retornar comovido de meu último workshop de constelações familiares. Sempre é impactante para mim observar os efeitos emocionais devastadores que causa o fato de uma regra fundamental não ser respeitada: os pais estão em primeiro lugar e são mais importantes que os filhos. Além disto é muito importante amar no filho o outro progenitor.

Me surpreendo uma e outra vez ao ver como os pais se dirigem e se relacionam com os filhos por cima do outro progenitor. Esta atitude, que pode parecer razoável em algumas ocasiões – a desgraça costuma chegar vestida com roupas argumentativas impecáveis, porém sem amor -, não ajuda ao filho. Eles não precisam ser os mais importantes, ao contrário, precisam sentir que o parceiro/a do pai ou da mãe é mais importante, e que os pais estão juntos como casal assumindo reciprocamente esta dinâmica perante os filhos. Quando um filho é mais importante do que ninguém para um dos progenitores, longe de ser um agrado, trata-se de uma carga e de um sacrifício; não é adubo, senão estiagem disfarçada de encantamento. Os filhos não precisam se sentir especiais nem ter que ser tudo para os pais. Isto é demais.

Frequentemente aquilo que um dos integrantes do casal não encontra no seu parceiro/a, ou nos seus próprios pais, ou aquilo que lhe faltou na família de origem, ou aquele sonho que não pode ser realizado, é colocado no seu filho. E o filho, por amor, aceita o desafio. O preço, claro, é sua liberdade e a força plena para seguir seu próprio caminho do seu jeito. Os filhos precisam se sentir livres para cumprir o seu propósito de vida. E são mais bem sucedidos quando eles têm o apoio de seus pais e ancestrais, e quando existe ordem entre eles. Por outro lado, sofrem quando um dos pais deprecia o outro ou ambos se depreciam mutuamente. Se os pais se depreciam, o filho encontra dificuldades em não se depreciar e em não se parecer com a pior versão desenhada pelo pai ou pela mãe sobre o outro progenitor.

Pensemos em filhos que quase tiveram a função de ser parceiro/a invisível de um dos pais, ou que significaram tudo para o pai ou para a mãe, ou que sentiram a proibição de amar o pai que cometeu algum tipo de violência ou traição para com a mãe ou vice versa… Tristemente, em constelações familiares é comum identificar dinâmicas e resultados fatais como doenças, delinquência, violência, dificuldades na relação de casal e muito sofrimento emocional. Pois, nas profundezas do ser, um filho não pode prescindir de amar ambos os pais e não deixa de fazer acrobacias emocionais para ser leal aos dois, inclusive imitando seu mal comportamento, seu alcoolismo, os seus fracassos , erros, etc.

Estas são frases que se dirigem ao bem-estar e alegria nos filhos:

“Filho, em você continuo a amar seu pai/sua mãe, em você continuo a vê-lo e respeitá-lo.”

“Filha você é o fruto de meu amor e minha história com o seu pai/mãe e eu vivencio isso como um presente e como uma benção.”

“Filho, respeito o que você vivencia e como você é com seu pai/sua mãe.”

“Filha, eu sou seu pai/sua mãe, mais do que isso é demais.”

Que ajuda então? Que os filhos recebam um dos maiores presentes possíveis no seu coração: serem queridos tal e como são e especialmente que neles o outro progenitor seja amado, porque assim sentem-se completamente amados, já que no fundo o filho sente que também é seus pais. Ambos.

 

Joan Garriga

Artigo publicado no Blog de Inteligência Emocional e Social (Novembro 2011)

Tradução livre autorizada M. Natalia M. H. Kopacheski (Março 2018)

 

O que significa aceitar as moedas?

Aceitar as moedas significa aceitar tudo exatamente como foi, sem pôr nem tirar, incluindo o doce e o cruel, o alegre e o triste, o leve e o pesado. Tudo. Pela simples razão de que essa é a nossa herança e o conjunto de experiências vividas que nos constitui.

As moedas também podem incluir abusos, ações dolorosas ou terríveis e brutais. Aceitar as moedas nos leva a aceitar também aquilo que nos feriu, que prejudicou a inocência e a beleza natural da criança.

É possível, ainda que difícil, dizer sim a tudo que nos chega por meio de nossos pais, sem pôr nem tirar. Podemos aceitar tal e como nos chegou, com todas as suas consequências, sem deixar de seguir nosso próprio caminho, cumprindo o trajeto pessoal e tendo a coragem de transformar os pesares em recursos.

Se nos resulta tão difícil aceitar as moedas é porque não sabemos o que fazer com a dor, não sabemos como manipular nossos sentimentos feridos nem nossas turbulências emocionais. Assim, fechamos os olhos e o coração e inventamos para nós mesmos um mundo suportável que nos permite seguir adiante.

Muitas tradições, e concretamente as tábuas de Moisés, impõem o mandamento de “honrar aos pais”, conscientes de seu poder libertador e dom bem-estar que aporta às pessoas. Mas chega-se a esses lugar depois de um árduo processo interior. Na realidade, não se pode fabricar como um mandamento, nem erigir-se em imposição fictícia.

 

Trecho extraído do livro “Onde estão as moedas? – A chave do vínculo entre pais e filhos. Joan Garriga, Saberes 2009.