Anotações de um workshop

por René Schubert

Stephan Hausner – Saúde Sistêmica

Treinamento em Saúde Sistêmica – Agosto 2018 – Valinhos/SP – com o facilitador alemão Stephan Hausner. Organizado por Natália Kopacheski‎. 
Muito proveitoso e bem organizado o evento Saúde Sistêmica com o facilitador alemão Stephan Hausner em Valinhos/SP. O evento contou com a tradução simultânea de Natalia Kopacheski. Além da oportunidade de aprendizado proporcionada por este facilitador que há muitos anos trabalha com Constelações Familiares voltadas para o campo da saúde, o evento reuniu diversos profissionais da área, proporcionando troca e abertura.


Seguem algumas reflexões proporcionadas por Stephan Hausner:
“Para mim o corpo do cliente é quem conduz a Constelação Familiar. A relação acontece quando sua realidade encontra lugar em mim. A Constelação Familiar acontece quando a mesma encontra lugar no corpo do cliente.”

“Se permitam ser surpreendidos por modificações que ninguém explica.”

“Não podemos reduzir as doenças a uma pessoa. A doença muitas vezes serve ao sistema. Ela conecta e separa.”

“Os filhos só podem ser crianças quando os pais são adultos” 

“Se existe uma responsabilidade ela é a de mantermos o coração aberto” 

“Amanhã só e futuro se não for a repetição de hoje”

“Aquilo que entra em relação tem o poder de curar. Relação é quando a sua verdade pode acontecer em mim.”Stephan Hausner citando Thomas Hübl  

“expectativa é o oposto que relacionamento”

E algumas reflexões anotadas durante o evento:
“Trauma heisst dissoziation…heisst Beziehung Abbruch.” – “Trauma significa dissociação. Significa rompimento/quebra de relacionamento.”


“Die Verstrickung ist zu geschlossen, ausgeschlossen, verleugnung, das Nein zu etwas…” – “O emaranhamento é o que é fechado, excluido, negação, é o Não para algo…”


“Die Heilung passiert nicht in der Vergangenheit oder in der Zukunft. Sie passiert nur Jetzt, in der Gegenwart.” – “O processo de cura não acontece no passado ou no futuro. Acontece no agora, no momento presente.”


“Die Lösende Bewegung ist tendenziell eine Expansion Bewegung…” – “O movimento de solução é geralmente um movimento de expansão…”


Responsibility is the ability to respond – É parecido em inglês, espanhol e português…Responsabilidade é a capacidade de responder.


“Alle Eltern sind verstrickt…und all die, die ich bis heute getroffen habe, haben zwei Eltern.” – “Todos os pais estão emaranhados…e todos aqueles a quem eu encontrei até hoje têm dois…pai e mãe!” ( Nota de tradução: em alemão o termo Eltern engloba o pai e a mãe, já em português é necessário diferenciar, pai e mãe)

“Die Biologie ist tiefer dem die Psychologie. Zuerst kommt die Biologie, danach kommt die Psychologie.”
A biologia e mais profunda que a psicologia. Primeiro vem a Biologia depois vem a psicologia.


“Eine sehr übliche Dynamisch: Manchmal ist es besser Krank oder ein Symptom zu haben anstatt Allein, Einsam zu sein.”
Uma dinâmica comum: As vezes é melhor adoecer ou ter um sintoma do que estar só ou viver de forma solitária.


“Kinder können nicht ohne den Eltern leben…aber Erwachsene können ohne kinder leben” (Ein Grundprinzip)
“As crianças não vivem sem os pais…mas os adultos podem viver sem filhos”(Um princípio básico)


“Systemische Medizin” betrachtet Krankheit oder Symptomatik nicht als Störung, sondern vielmehr als Lösungs­versuch im Sinne eines Ausdrucks zwischen­menschlichen Miteinanders. Menschen und ihre Probleme werden in erweiterten Zusammen­hängen betrachtet, in Familien und größeren Systemen und über mehrere Generationen hinweg. Eine „Systemische Medizin“ zieht sich von dem Bedürfnis, Kausal­zusammen­hänge zu erkennen, zurück und richtet sich stattdessen auf das dem Patienten selbst innewohnende Potential, heilsame Veränderungen einzuleiten.”
“A ‘medicina sistêmica’ não vê a doença ou a sintomatologia como um transtorno, mas muito mais como uma tentativa de solução no sentido do que é expresso no estar junto em relacionamentos interpessoais. As pessoas e seus problemas são vistos na amplitude do contexto, nas famílias, nos sistemas maiores e para além das muitas gerações. Uma ‘medicina sistêmica’ retira-se da necessidade de nomear e apontar relações causais e, ao invés disso, concentra-se no potencial inerente, que habita cada um, para o paciente em si dar inicio às mudanças curativas.” 


“Jede Lösung hat ihren Preis…alle Klienten wollen eine lösung aber nicht alle wollen dafür dem Preis zahlen…” – “Cada solução tem seu preço…todos os clientes querem uma solução, mas nem todos querem pagar pelo preço…”


“Am ende löst die Dankbarkeit…”“No final é a gratidão que soluciona…”
Stephan Hausner 
– https://www.stephan-hausner.deNatalia M. H. Kopacheski – Sim a Vida: www.simavida.com.br

Nas anotações tradução livre do alemão por René Schubert

Sintonização e Personificação nas Constelações Familiares (Poppy Altmann)

Tradução Alexandre Wenceslau

“Ligue-se, sintonize-se, caia fora.” Timothy Leary

A sintonização é fundamental nas Constelações Familiares. Como facilitador, representante e como um membro do círculo, a sintonização proporciona sentido e conexão à constelação. Ela conecta o grupo, gera confiança e age como um receptáculo para memórias traumáticas criando limites seguros. Ela desacelera as coisas para igualar ao ritmo da alma, nutre a empatia, nos tira de nossas cabeças e nos coloca em nossos corpos e produz um espaço autêntico.Antes mesmo de conhecer a Constelação Familiar, trabalhei por vários anos como homeopata e comecei a frequentar aulas semanais de Dança dos 5 Ritmos1. A sintonização corporal é essencial nos 5 Ritmos; senão ficaríamos nos trombando na pista de dança. O facilitador encorajava nossa consciência, das pessoas a nosso redor e dos espaços entre nós. Se trombássemos em alguém ou pisássemos no pé de alguém, presenciávamos um interessante exemplo de falta de sintonização. Algumas pessoas ficavam constantemente invadindo espaços ou tropeçando. Pessoas traumatizadas podem ter dificuldade de encontrar seus limites físicos e, de acordo com Sarah Peyton (2016):“Por vezes o que percebemos é que as pessoas não têm noção de seus próprios corpos e é isso que é despertado nos trabalhos de constelação.” (p. 64)A homeopatia é uma modalidade muito voltada ao lado esquerdo do cérebro. Nós consultamos livros contendo diversas evidências e informações a respeito de medicamentos, sintomas, anatomia, fisiologia e patologia. Os mesmos livros também trazem informações sobre medicamentos convencionais, estudos sobre homeopatia e pacientes que a usaram. Fazemos perguntas. Tomamos nota do que o paciente está dizendo, diagramamos sintomas e tentamos nos comportar como “observadores imparciais”.Ela é também muito voltada ao lado direito do cérebro. Nós observamos nossos pacientes nos mínimos detalhes, observamos e ouvimos cuidadosamente: como se sentam, o que escolhem nos contar e como nos sentimos em sua presença. Além disso, utilizamos todos os nossos sentidos para analisar seus sintomas e se suas emoções nos tocam ou não. Movemo-nos naturalmente de um lado para o outro do cérebro se nos contam a respeito de experiências traumáticas e depois as registramos. Pausamos ao ouvir sobre tais eventos traumáticos, não somente para que o paciente se conscientize da seriedade daquilo que está falando, mas também a fim de sentir de que maneira vemos os traumas para que possamos ser empáticos.Peyton (2016) utiliza a neurociência para explicar a sintonização na Constelação Familiar. O processo de sintonização tem efeitos positivos na química do cérebro, acalmando os indivíduos que estão interagindo. “A sintonização é uma ação que faz o cérebro funcionar mais feliz.” (p. 62)Para alguns, a sintonização acontece fácil e naturalmente, enquanto que para outros é um exercício contínuo. Enquanto que a sintonização para um facilitador acontece por vezes livremente, pode ocasionalmente ser difícil de conhecer limites intuitivamente. Pessoalmente, falando, em alguns casos pode ser espantoso e permaneço na constante prática de me manter contida no espaço do cliente, mas também de permanecer afastada o suficiente de seu Campo a fim de responder congruentemente.Me foi sugerido que sobreviventes de traumas são mais hipervigilantes e conscientes do que está acontecendo ao seu redor em seu espaço. Se faço isso no papel do filho de um homem que se escondia durante a Guerra e cuja família estava sempre sob alerta, pode-se dizer que seja um comportamento compensatório para um trauma herdado? As pessoas comentam que estou sempre observando para perceber o que está acontecendo no ambiente e que percebo mais do que eles sobre o que as pessoas estão fazendo – um paralelo interessante para se notar. Especialmente, ao facilitar, percebo que alguns pontos cegos podem significar que eu fui facilmente pega pelo Campo, e posso apenas identificar em retrospecto em que ponto e por que isso possa ter acontecido. “Por um lado, todos temos um canal para conseguir informações, porém temos também que nos proteger de conseguir informações demais.” (Ruppert, F. 2006, p. 24)Algumas vezes duvido de mim mesma, e há sempre a inclinação em ser autêntica em minhas respostas. Recentemente em um grupo de prática, por exemplo, a cliente apenas desejava ser abraçada e minha resposta genuína foi abraçá-la. Isso foi apenas uma ‘entrevista prática’ de 10 minutos que provavelmente terminaria em uma interrupção do movimento de aproximação (IROM) em uma sessão de prática mais longa. No entanto, posteriormente, estava me questionando, abraçá-la era a melhor resposta? Por quanto tempo? Meu superego invadiu com tais pensamentos: “Deveria ter feito isso? Deveria ter dito aquilo?” etc. Como diz Irving Yalom (2002),“A terapia é engrandecida se o terapeuta entra precisamente no mundo do paciente. Os pacientes se beneficiam imensamente simplesmente através da experiência de serem vistos por completo e compreendidos por completo.” (p.18)Por isso, creio que não deva estar tão errada ao responder à simples questionamentos com um “Sim.” Às vezes as coisas são tão simples que somos incapazes de compreender a situação com clareza. Peyton (2016) compara a harmonia da sintonização a um violoncelo vibrando afinado com outro violoncelo. Diz ela que quando duas pessoas se encontram intencionalmente nas funções de facilitador/cliente em um Trabalho de Constelação, ambos os “instrumentos” ressoarão:“Isso é o que o cérebro humano ama. Ama tocar sua música e saber que há outro ser humano que está ouvindo sua música.” (p. 62)Gabor Maté 2 (2003) vai além, dizendo que nossa própria sobrevivência depende de nossos relacionamentos pessoais: “O funcionamento fisiológico dos seres humanos é inseparável – mesmo na teoria, quiçá na prática – as conexões emocionais e sociais que nos ajudam a nos mantermos.” (p.193)Há mais a ser dito na próxima sessão sobre o papel da comunhão e do contato social e físico no contexto da recuperação do trauma.
Trauma“Não nos curamos no isolamento, mas em comunhão.” (S. Kelley Harrell, 2012)É difícil para mim escrever sobre trauma. Tenho que trabalhar mais arduamente e prestar mais atenção ao colocar as palavras. Há menos fluxo e as palavras não aparecem facilmente. Estou ciente de que tenho que escrever de maneira mais criativa para trazer melhores resultados ao que desejo dizer. Repasso e edito estas palavras, tentando extrair seus significados. Provavelmente, há uma outra camada, ou mesmo uma antiga e hesitante aparecendo, como um tesouro sendo desenterrado enquanto que as lágrimas do tempo removem as camadas de terra e revelam uma dor oculta. O trabalho de constelação certamente não é uma viagem fácil. Uma vez que o trauma está no Campo do lado direito do cérebro, ele é difícil de ser expresso em palavras. Van der Kolk (2014) diz:“A inteligência emocional começa ao rotularmos nossos próprios sentimentos e a nos sintonizarmos às emoções das pessoas a nosso redor.” (p. 354)A denominação disso é a verdadeira batalha. Peyton e Van der Kolk explicam como a memória é afetada pelo trauma, mas há mais do que isso. Peter Levine descreve como o trauma pode conduzir a uma resposta incompleta e solidificada. Enquanto os seres humanos interpretam o trauma como uma ameaça à vida, nós naturalmente nos embrenhamos no equilíbrio gélido de um animal ameaçado por um predador, nos fingimos de morto e aguardamos pelo momento exato para pararmos de fingir e escapar. Às vezes nosso cérebro racional se sobrepõe às nossas respostas instintivas ao trauma, e somos levados a um estado de congelamento. Pode ser que deixemos esse estado muito tempo depois, talvez nunca consigamos, e se não tentamos ativamente deixá-lo, ficaremos presos e em sofrimento. Felizmente, de acordo com Levine (1997):“A cura do trauma é um processo natural que pode ser acessado por meio de uma consciência interior do corpo.” (p. 34)O trabalho pessoal tem a ver com personificação, e este é o lugar da sintonização. Por isso, ser uma representante é uma experiência tão terapêutica para mim. O Campo sempre fornece uma fonte rica em materiais curativos. Como representante, estou ocupando meu corpo inteiramente. Se estou incorporada e sintonizada no papel da facilitadora, posso facilmente perceber o momento em que o cliente entra demais em sua história. Utilizar minhas próprias respostas corporais é crucial para entender o que está acontecendo com o cliente e às vezes me é útil levantar essas questões com ele e ponderar suas respostas para saber se são relevantes. Sempre há o risco de as respostas corporais serem mais minhas do que do cliente. Neste caso, podemos explorar por que estou tendo tais respostas e descobrir se, de fato, estou representando alguém que faz parte de seu Sistema. Se conseguimos resolver essa questão, podemos trazer um representante, deste modo possivelmente retirando a minha necessidade de representar enquanto facilitadora. Quando relato o que está acontecendo comigo fisicamente pode ajudar a trazer o cliente para seu próprio corpo.Van der Kolk (2014) ressalta a necessidade de o cliente se sentir seguro e a importância de estar incorporado a fim de oferecer um receptáculo:“É preciso encontrar alguém em quem você confia o suficiente para acompanhá-lo, alguém que possa seguramente conter seus sentimentos e ajudá-lo a ouvir as dolorosas mensagens vindas de seu cérebro emocional. É necessário um guia que não teme seu terror e que consiga conter sua mais obscura ira, alguém que possa garantir sua integridade enquanto você explora as experiências fragmentadas que teve que manter em segredo de você mesmo por tanto tempo.” (p. 211) A Constelação Familiar oferece uma conexão humana de irmandade, comunhão no grupo e interação social. Certamente, em um grupo de treinamento isso é palpável, porém mesmo em um curto workshop o estímulo do grupo produz resultados curativos profundos. Maté (2003) enfatiza a importância da família, conexões sociais e comunitárias para a saúde e bem-estar: “Os seres humanos, como espécies, não evoluíram como criaturas solitárias, mas como animais sociais cuja sobrevivência se pautou em conexões emocionais poderosas entre famílias e tribos.” (p. 189)
Para Levine (1997), comunhão é essencial na recuperação do trauma, e ele explora tradições xamânicas para ilustrar:
“O Xamanismo reconhece que interconexões profundas, apoio e coesão sociais são atributos necessários na cura do trauma.” (p. 59)
Van der Kolk (2014) vê as relações próximas como uma força medicinal e questiona o uso do modelo “doença mental” e subsequente uso de drogas psiquiátricas em casos de TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático): “Reestabelecer relacionamentos e comunhão é fundamental no reestabelecimento do bem-estar.” (p. 38)
A chave da cura do trauma parece estar na comunhão. O isolamento tão predominante em sociedades modernas previne uma recuperação profunda. Se nossas relações em nossa família de origem são difíceis, temos uma oportunidade nas Constelações Familiares de liberar nosso trauma e permitir o fluxo de amor.Contenção “Esta consciência não está ligada a meu corpo, mas meu corpo está ligado a esta consciência.” Gabrielle Roth, fundadora da Dança dos 5 Ritmos (1997) Van der Kolk fala a respeito do fato de que pacientes de trauma geralmente não conseguem sentir os limites de seus próprios corpos, então sugere a ajuda de um massoterapeuta para auxiliar nesses trabalhos. Pacientes que sofrem de trauma dependem da contenção para aprender a entender seus limites e serem capazes de funcionar no mundo. O modelo de contenção de Wilfred Bion e o modelo de fixação de Winnicott foram aplicados às relações entre cliente e terapeuta.:“Eu definiria a teoria de contenção como sendo a capacidade do indivíduo (ou objeto) de receber em si mesmo projeções de outro indivíduo, que então poderá sentir e utilizar como (suas) comunicações, transformá-las e, finalmente, devolvê-las (ou transmiti-las de volta) ao sujeito de uma forma modificada. Eventualmente, isso pode possibilitar à pessoa (uma criança de início) sentir e tolerar seus próprios sentimentos e desenvolver a capacidade de pensar.” (Riesenburg-Malcom, R., 2006, p. 166)Em meu próprio desenvolvimento, tive que explorar profundamente a contenção corporal. A contenção ajuda a me sintonizar como facilitadora e como representante. Dentro do círculo consigo me dissociar ou ser completamente atraída pelo Campo se não estiver me sentindo contida.Utilizando nossa consciência de como as coisas estão mudando psicologicamente, nos dá informações sobre nossas reações em situações de estresse. Enquanto bebês, precisávamos ser abraçados para nos sentirmos seguros a fim de nos mantermos vivos e, no futuro, enfrentarmos o mundo. Se não experimentamos esta contenção por parte de nossas mães quando bebês e crianças, podemos ter uma maior necessidade de contenção quando adultos. Os pais recebem conselhos contraditórios de como cuidar de seus filhos. Um professional de saúde pode nos orientar a deixar o bebê chorando em um outro quarto, enquanto que nossos instintos nos mandam segurar a criança, mas nossa confiança é corroída por forças exteriores, e uma criança não deve experimentar a contenção que a faz se sentir segura e, de fato, a protege de perigos. Quando uma mãe está se recuperando do trauma de dar à luz, ela pode estar ainda mais suscetível a conselhos externos e perder a confiança em sua sabedoria interior. No meu caso, nasci em um hospital e fui levada à enfermaria. Era trazida de volta até minha mãe a cada quatro horas para ser amamentada. Sem surpresa, minha mãe não produzia leite suficiente e, após uma semana, estava ficando desidratada e desnutrida. Além disso, minha mãe teve de retornar ao trabalho quando eu ainda tinha três meses de vida. Houve pouca ou nenhuma contenção em minha tenra infância, o mesmo acontecendo a muitos de nós nascidos nas décadas de 60 e 70.
Quando participei de um exercício de contenção pela primeira vez, foi revolucionário3. Tinha pegado no sono durante a constelação anterior (o que, surpreendentemente, foi um IROM) e quando acordei, tudo que conseguia ouvir era o facilitador perguntando se estavam todos prontos para prosseguir. Não me sentia, de maneira alguma, pronta. Me sentia muito desligada e mal conseguia falar e pronunciar as palavras: “Não! Não estou pronta!” que, curiosamente, o facilitador não conseguia me ouvir dizer. Era quase como se eu tivesse fisicamente deixado a sala. Sentada entre duas pessoas que me continham com as laterais de seus corpos encostados ao meu, passei do sentimento de completa desconexão e de estar fora do meu corpo, a sentir meu coração calmo e meus pés firmes no chão. Ultimamente, utilizo minha poltrona quando preciso de contenção.
De um lugar de contenção, podemos começar a observar o mundo, da mesma maneira que a criança que se sente segura o suficiente para se afastar progressivamente de sua mãe. (Winnicott, D.W, 1965)
Personificação“Atenção e consciência e ação são a inteligência da alma.” (Roth, G. 1997)Para me sintonizar com o cliente, preciso me desconectar do meu cérebro pensante (esquerdo) e me conectar ao meu corpo e meus sentidos. Levine fala a respeito de “sensação sentida” na experiência somática. Ele argumenta que para que os animais sobrevivam no mundo, eles devem estar sintonizados a seu ambiente e devem estar cientes dos predadores. Para ser uma representante, eu também tenho que estar sintonizada com o ambiente para permitir a percepção precisa das sensações e sentimentos da pessoa que estou representando. Isso não foi o mais difícil de aprender em minha jornada de constelações, mas sei que eu e meus colegas lutamos para sair de nossas mentes quando facilitamos e, certamente, isso pode ser problemático para o cliente. Creio que minha experiência como homeopata e também minha prática da dança dos 5 Ritmos tenham ajudado. Gabrielle Roth, (1997) relata:“É preciso disciplina para desenvolver atenção e consciência. Para mim, tal disciplina é parte de minha dança. Um dos maiores desafios é manter minha consciência em meu corpo, não em minha mente, onde ela pode ser uma distração de milhões de formas.” (p. 29)A compreensão da teoria de Sistemas e Campo ajuda a exercitar meu músculo de sintonização. Estou constantemente observando a vida por esta lente e ela me força, de certa forma, a me adaptar a meu ambiente e minhas experiências. Além disso, apenas por estar envolvida no Trabalho de Constelação e na dança dos 5 Ritmos é útil. Acolho as oportunidades de representar bem como de facilitar para praticar o estar completamente sintonizada e tento estar ciente das minhas relações e de meus quadris e presente neles.
Por exemplo, quando retornava do meu módulo final de treinamento, meu carro quebrou. Dois gentis rapazes encostaram e me ajudaram a chegar até o estacionamento mais próximo.
A alguns dias do treinamento, meu carro também quebrou. O mecânico que me socorreu retirou o coração de meu carro (filtro de combustível), que tinha um vazamento em uma válvula, e tentou consertá-lo com um ferro de solda, um bisturi e bicarbonato. Eu estava chorando quando ele chegou, de exaustão, mas também por causa das tentativas de chegar à casa de meu namorado para resolver a discussão que tivemos no começo da semana e para me despedir antes de partir para o treinamento. O mecânico foi gentil, me perguntou se estava bem; me disse que não poderia me ajudar com alguns de meus problemas, mas que iria ajudar a pôr meu carro para funcionar. E o fez. Quando a solda não funcionou, ele foi até uma loja e voltou com supercola. Ele passou aproximadamente duas horas trabalhando no coração do meu carro e me confortando, verificando regularmente se eu estava bem. O filtro de combustível se parece com um coração, e a cada vez que ele o retirava, encharcado de diesel, com seus tubos pendurados, era lembrada disso.
Muito bem, hoje, quando Al, o novo mecânico, chegou, ele apenas colocou a chave na ignição e o carro ligou imediatamente. Ele me seguiu até a casa do meu namorado, aguardou enquanto pegava meu cachorro e disse que achava que era seguro voltar para casa. Meu confiável automóvel me acompanhou por dois treinamentos, ida e volta, de um lado a outro na longa viagem de Londres a Somerset, mês após mês, e nunca me deixou na mão. E agora é hora de dizer adeus a meu carro e também a meu grupo de treinamento, os quais terão um lugar em meu coração. Tão conveniente.
Hellinger (1998) argumenta que tem a ver com o se abrir e permitir que o que quer que seja entre, o que certamente depende muito do Campo. É por isso que é realmente impossível planejar um workshop, porque você não sabe conscientemente o que estará no Campo no momento: “Ver não é algo que possamos fazer acontecer. Quando me abro para alguém, geralmente fico completamente surpreso com o que vejo. Muitas vezes vejo coisas que nunca poderia ter imaginado. Sempre sinto medo e calafrios ao ver, mas se fujo do que estou vendo, se me contenho – mesmo que por medo de machucar alguém – algo se fecha em minha alma, como se tivesse abusado de algo precioso.” (p. 206)Sempre penso que meu sono é perturbado; posso ficar doente ou ficar agitada ou emotiva por algumas semanas antes de me envolver em um workshop, onde há uma quantidade significativa de trabalho por vir. Não sei conscientemente, mas inconscientemente, meu corpo sabe. Meu corpo é um barômetro eficaz no trabalho de Constelação. Muitas vezes passei tossindo durante todo um workshop, somente para perceber que a tosse passava quando era escolhida para representar ou quando deixava o workshop. Ainda estou explorando os detalhes do significado da tosse, mas tenho uma ideia de que provavelmente é causada por uma dor não manifestada e/ou ira, que não pode ser confortavelmente contida no genuíno cenário de uma Constelação. Também acredito que meu sono possa ser massivamente perturbado durante um módulo de treinamento e, às vezes, posso literalmente ficar acordada a noite toda. Frequentemente me surpreendo por me sentir bem apesar da falta de sono. Na verdade, acredito que o motivo seja me manter mais focada no meu corpo e fora da minha mente, uma vez que não consigo pensar logicamente quando estou tão cansada!Richard Strozzi Heckler (1984), pai do Coaching Somático, diz que nosso aprendizado é melhorado quando estamos em nossos corpos. Muitos de nós somos alunos sinestésicos, ou talvez tenhamos sintomas de TDAH e precisamos nos mover para sermos capazes de nos focarmos e concentrarmos. Van der Kolk (2014) enxerga a conexão entre abuso e diagnóstico de TDAH em crianças. Mesmo para alunos visuais, é válido se movimentar para enxergar as coisas de uma perspectiva diferente: “Quando estamos incorporados, nos tornamos aprendizes. Podemos aprender com situações, com nossas experiências, com a vida. Se não vivermos em nossos corpos, que é a base de nossas experiências, somos capazes somente de classificar o aprendizado e reagir de forma mecânica.” (p. 58) A personificação é sempre criativa, informativa, nos deixa acessível ao outro, e é fundamentalmente curativa. Quando uma pessoa se coloca no lugar de cliente, traz com ela seus ancestrais e todos os sistemas dos quais ela pertence. Portanto, como facilitadores, não estamos apenas nos sintonizando ao cliente como indivíduos, mas nossos próprios sistemas estão se sintonizando aos do cliente: “O facilitador entra em sintonização. Este é o lugar onde a intencionalidade do facilitador começa a sustentar o sistema do cliente. Assim que há sucesso em se sintonizar com o cliente sentindo que algo está sendo capturado, então a dor se transforma em ressonância.” (Peyton, S., 2016, p. 62)Os lugares do facilitador e do cliente são espaços lotados. Aprendi que ressonar com sistemas similares aos meus pode ser intenso demais para mim como uma nova facilitadora. Por exemplo, estava ministrando um workshop, e o pai austríaco da cliente tinha sido mantido prisioneiro em um campo de prisioneiros de guerra nos últimos anos da guerra. Meu próprio pai é um judeu húngaro que passou a Guerra escondido em Budapeste. No entanto, descobrimos que um capitão do exército húngaro protegia os 2000 judeus que estavam escondidos com meu pai e ele aparentemente utilizou seus contatos no exército alemão da Primeira Guerra Mundial para ajudar. De qualquer maneira, a Segunda Guerra Mundial obviamente constitui grande parte dos sistemas de meus clientes e do meu próprio sistema e fui apanhada no Campo da Constelação. Após o workshop, fiquei doente, com febre alta e estava totalmente destruída. Este foi um dos meus primeiros workshops, e estou ficando cada vez mais capaz de reconhecer e de agir para evitar que isso aconteça. Técnicas como sair fisicamente do Campo e verbalizar o que está acontecendo comigo, ajudam. Não estou sugerindo que a febre não é parte do processo curativo, mas, particularmente, não quero ficar doente todas as vezes que eu facilitar ou participar de um workshop!“Há uma incrível beleza desconhecida na experiência de estar em um Sistema no qual estamos ligados a outros.” (Peyton, S., 2016, p. 62)Portanto, apesar dessa experiência aparentemente negativa para mim, na verdade, a Constelação foi muito ponderosa, e a cliente se inscreveu efusivamente para o próximo workshop. Estou segura de que há grande aprendizado para mim com esta cliente, e profunda cura potencial para ambos os nossos sistemas familiares.A natureza oferece um caminho maravilhoso para o desenvolvimento da sintonização. Quando somos crianças, quando estamos personificados boa parte do tempo, muitos de nós têm sorte suficiente de se lembrar das horas de magia as quais éramos imersos lá fora, explorando as pequenas coisas, construindo barragens e subindo em árvores. A personificação que experimentei na natureza está profundamente sintonizada e conectada e me tira completamente da minha mente. Sou sempre grata ao meu cachorro que me força a encarar a natureza todos os dias. Enquanto estou conectada a este imenso sistema, posso apreciar o quão pequena sou nesse enorme esquema de coisas. (Burge, Dan TKF issue 31, Jan 2018, p. 50)
Toque“O toque parece ser tão essencial quanto a luz do sol.” Diane Ackerman4
O toque é um assunto delicado. Mas se evitamos o toque, ou não nos sintonizamos à necessidade de uma pessoa ao toque em uma Constelação Familiar, nos distanciamos profundamente de sua e de nossas almas. O toque é tão fundamental à vida que não sobreviveríamos sem ele. Diversos estudos mostram que crianças privadas do toque materno na infância têm crescimento e desenvolvimento retardados. (Montagu, 1905) O trabalho de Bowlby e Winnicott enfatiza a importância dos primeiros toques por nossas mães ou cuidadoras. A Constelação Familiar oferece uma resolução nessa área, entre outros métodos, com o IROM. Como representante, o toque revelará ligações ocultas nos sistemas quando as palavras não forem capazes de fazê-las:“Gestos de conforto são reconhecíveis universalmente e refletem o poder curativo do toque sintonizado. O toque, a ferramenta mais elementar que temos para nos acalmarmos, é proscrito na maioria das práticas terapêuticas. Mesmo assim, você será incapaz de se recuperar por completo se não se sentir seguro em sua pele.” (Van der Kolk, Bessel, 2014, p. 215)Como facilitadora, a sintonização com o cliente é fundamental quando nos tocamos. O toque não justificado pode desencadear reações imensas, e o cliente pode perder a confiança. Por isso, devemos realmente nos sintonizarmos ao cliente e nos certificarmos de que nosso toque será útil, fundamentado e irá gerar confiança. No entanto, evitar o toque completamente furta de nosso cliente o potencial de liberar tensão e conter emoções em um ambiente contido e seguro.Licia Sky diz:“Devemos encontrar seu ponto de resistência – o lugar onde há mais tensão – e encontrá-lo com igual quantidade de energia. Isso libera as tensões congeladas. Não pode haver hesitação; a hesitação transmite uma falta de confiança em si mesmo. Movimentos lentos, sintonização cuidadosa ao cliente são diferentes de hesitação. Devemos encontrá-lo com tremenda confiança e empatia, deixe que a pressão de seu toque encontre as tensões que estão encapsuladas em seu corpo.” (Van der Kolk, Bessel, 2014, p. 216)A hesitação pode acabar com a confiança e se tornar contra produtiva. Por isso, é preferível não perguntar se está tudo bem em tocar, o que sugere falta de confiança e incerteza, é melhor estar profundamente sintonizada e saber intimamente o momento em que o toque é necessário ou útil.Dentro do grupo, me sentia muito sensibilizada por um IROM que presenciei em uma Constelação. As lágrimas escorriam livremente pela primeira vez em muito tempo, e mesmo após a Constelação eu continuei em minha cadeira, completamente imersa nos sentimentos maravilhosos que emergiram pela liberação de emoções e por minha identificação com a Constelação. Logo após este episódio, alguém se aproximou e se sentou ao meu lado e me tocou. Seu toque, apesar de parecer afável, imediatamente invadiu meu fluxo de sentimento e interrompeu abruptamente o curso de minhas lágrimas. Apesar de ter lhe pedido que parasse, lamentavelmente o momento havia evaporado, e eu senti que a oportunidade de cura em um nível mais profundo havia passado. Nessa situação, se perguntada se tudo bem ser tocada teria sido mais útil, uma vez que quando alguém está no papel de facilitador, gerar confiança é primordial. De qualquer forma, essa foi uma ótima lição a respeito do toque. O toque pode ajudar imensamente em algumas situações. Em outras, ele tem efeito contrário. É importante para o facilitador instruir o grupo sobre o toque e seus limites, mas também é possível que estas palavras não sejam ouvidas.A sintonização é realmente a única maneira de sabermos se está tudo bem em tocar, ou pedir para tocar. Por vezes perguntar se está tudo bem em tocar não trará respostas verdadeiras. O cliente pode dizer que sim com o intuito de agradar, ou para estabelecer uma conexão com o facilitador, no qual enxerga uma figura paterna, mesmo que isso represente trair seus verdadeiros sentimentos. Em uma sessão de prática com meu grupo de instrução, a facilitadora havia sido abusada sexualmente quando criança, e na entrevista de abertura com a cliente, que também havia sido abusada sexualmente, a facilitadora claramente não estava sintonizada. Isso ficou claro quando a facilitadora tocou a cliente em uma tentativa de lhe dar base, o que provocou uma forte reação defensiva. Elas estavam juntas em um Campo de violação:“Enquanto o contato humano e a sintonização são a fonte da auto regulação fisiológica, a promessa de proximidade geralmente evoca o medo de se machucar, de ser traída e de ser abandonada. A vergonha tem nisso um importante papel: ‘Você descobrirá o quão podre e repulsivo sou e irá me descartar assim que me conhecer de fato’. Traumas não resolvidos podem cobrar um alto preço nos relacionamentos. Se o seu coração ainda está partido porque você foi atacada por alguém a quem amou, você provavelmente estará preocupada em não se machucar novamente e terá medo de se abrir para alguém novo. Na verdade, você poderá tentar machucar alguém inconscientemente antes que tenha a chance de machucá-lo.” (Van der Kolk, Bessel, 2014, p. 211)
Representação“Quando o ego toma conta do espetáculo, somos meros atores. Quando a alma está empoderada, temos um repertório infinito de possíveis papeis.” (Gabrielle Roth, 1997)Por mais que o cliente necessite confiar no facilitador, o facilitador por sua vez também precisa confiar nos representantes. Para mim, isso significa estar atenta a quando os representantes estão deixando o lado esquerdo do cérebro interferir na representação. Obviamente, isso está no Campo e deve ser reconhecido como tal. Contudo, o quão útil seria se todas as representações fossem guiadas por ego e informações de cura? Como facilitadores temos a obrigação de instruir novos representantes sobre arte da representação. Estamos interferindo no Campo ao fazer isso? Gosto de iniciar meus workshops com um rápido exercício que aprendi com Paul e Lynn Stoney, mas sempre o faço às cegas. Trabalhando em pares, peço a uma pessoa que seja o representante de uma questão ou problema para a outra pessoa. Então eles trocam de papeis e dão feedback um ao outro, deixando com que o outro saiba o que representaram.A sintonização parece ser relativamente fácil para os representantes. Novos representantes, na maioria das vezes, ficam surpresos com a força com os atributos do membro da família ou com o conceito que estão representando emerge. Não obstante, a personificação é o segredo. É melhor que novos representantes recebam instruções básicas de como representar, isto é, se sintam no papel e foquem nos seus impulsos corporais internos. Por fim, se houver um movimento, devem segui-lo. A sintonização geralmente acontece no momento em que o representante é colocado. Por outro lado, um cliente, que pode ser interrompido por suas histórias, pode necessitar de ajuda para que personifique e se sintonize. Por outro lado, A cliente, que pode ser interrompida por sua própria história, pode precisar de orientação para ficar incorporada e sintonizada. O ato de representar é frequentemente estarrecedor:“Por exemplo, se escolhemos representantes do pai, da mãe e dos filhos e os colocamos em relação uns com os outros e não interferimos, e eles estão centralizados; logo eles serão tomados por um movimento irresistível e se sentirão exatamente como as pessoas que estão representando, então algo de repente vem à tona.” (Hellinger, B., 2006, p. 6)Não sabemos como esse mecanismo funciona. Alguns participantes enxergam na neurociência a explicação. Jean Boulton (2006) diz que é uma experiência de se sentir no papel:“Estou ali, em pé, como representante e posso ter fortes sentimentos; posso me sentir muito triste, posso precisar me sentar ou sentir forte aversão a outro participante. Às vezes tenho forte consciência. Isso se chama percepção representativa.” (p. 13)Ruppert se refere à percepção representativa como sendo um canal de informação. Como representantes, estamos nos sintonizando ao que Albrecht Mahr5 denominou: ‘O Campo do Conhecimento’:“As constelações sugerem a presença de um campo de conectividade entre membros de uma família que se estende além dos limites do corpo físico. Os representantes normalmente reportam que se sintonizaram à ressonância dos membros da família independente das circunstâncias da relação e independente do fato de estarem vivos ou mortos. Creio que essa conexão seja mais que resíduos de memória e do que um produto das funções do cérebro.” (Booth Cohen, D., 2006, p. 43)Nossos sentidos são essenciais no papel de representantes, sejam eles com o propósito da sintonização, ou para transferir informações importantes ao facilitador e ao cliente. Se um representante sente frio, por exemplo, isso pode significar a presença da morte, e calor pode representar raiva suprimida. A maneira pela qual ‘ouvimos’ um som como o ranger do assoalho, será influenciada pelo Campo e fornecer mais informações. Um rangido pode ser um som de um passo em uma escada, uma porta se abrindo ou mesmo alguém pendurado dependendo do Campo. Já tive relatos de representantes sentindo cheiro de pão sendo assado, mesmo não havendo nenhum forno por perto, e tal informação foi útil para a Constelação. Evidentemente que a maneira que vemos as coisas pode variar entre os representantes, e isso pode fornecer materiais significativos. Da mesma maneira, a interpretação do toque dentro da Constelação pode ser entendida como delicada ou firme e assustadora para o recipiente: “Como representantes, percebemos fisicamente como é estar em um lugar específico em um sistema. Sentimos calor, frio, dor, alegria, indiferença etc.” (Lingg, H. K., 2006, p. 27)Quem somos escolhidos para representar é também significativo. Muitas vezes o papel irá refletir questões de nossas próprias vidas. Por exemplo, posso ser frequentemente escolhida para representar alguém cujo filho tenha morrido, caso meu filho tenha morrido também. Ou mesmo uma pessoa adotada pode repetidas vezes ser escolhida para representar uma pessoa excluída, no mesmo ou em diferentes workshops. Isso nos dá a oportunidade de encarar e curar nossos traumas não resolvidos. Ao sermos capazes de deduzir informações a respeito de como o representante se sente, abrimos a Constelação e damos a ela significado. A percepção representativa é crucial para um trabalho de Constelação. Mais do que isso, no entanto, ser escolhido como um representante e incorporar tal papel, proporciona cura profunda ao participante do workshop. É por isso que não acredito na mudança em diferentes escalas para portadores de questões e representantes ou membros do círculo. Fiquei muito surpresa ao ler que alguns facilitadores acreditam que representantes, por vezes, podem apenas selecionar fatores relacionados a suas questões quando representando. E quanto ao Campo? O representante que somos escolhidos para ser é parte de nosso próprio Campo, bem como do Campo do cliente, e parece que não podem ser separados:“Alguns consteladores distinguem a consciência do representante da consciência sistêmica. Para eles, os representantes nem sempre percebem algo ou oferecem informações que são relevantes às questões do cliente, mas sim às suas próprias questões. Logo, estes consteladores podem utilizar objetos de madeira ou bonecos playmobil e acreditar que eles oferecem mais informações sistêmicas do que as pessoas.” (Roevens, J. 2009 p. 35)A Constelação Familiar proporciona cura a todos os participantes do workshop, até mesmo do facilitador, por meio da personificação – a qual focamos durante todo o workshop – e por meio do fenômeno do Campo. O trauma é consciente ou inconscientemente liberado quando fazemos isso.ConclusãoPara mim, o aspecto mais importante da relação terapêutica em uma Constelação Familiar é a habilidade do facilitador e dos representantes de estarem personificados e sintonizados. Em outras terapias há também a necessidade de algum nível de sintonização. Talvez a falta de sintonização pode ser compensada por meio de uma história, uma conversa e de outras atividades ligadas ao lado esquerdo do cérebro. Seria perfeitamente possível, por exemplo, realizar uma consulta homeopática e apenas focar nos sintomas, história e medicamentos e se sintonizar ao paciente apenas nos níveis mais superficiais enquanto todos os fatos são colhidos. Se o facilitador e o cliente não estão sintonizados em um workshop de Constelação Familiar, a Constelação provavelmente estará fragmentada, menos útil e menos informativa. A representação acontece do lado direito do cérebro:“Quando temos a intenção, planejamos ou realizamos uma ação, esta atividade se revela estar no hemisfério esquerdo, mas a representação de ações de outras pessoas está no hemisfério direito.” (Altman, J., 2006, p. 22) O lado esquerdo do cérebro é conhecido por ser o lugar dos sentimentos, da intuição, da personificação, do trauma e da cura. Quando representantes acionam o lado esquerdo de seus cérebros e encenam, podem ainda estar a serviço do cliente uma vez que é parte do Campo. No entanto, pode se perder uma grande oportunidade de uma cura mais profunda para ambos cliente e representante. Um representante que está personificado e agindo intuitivamente pode contribuir no desemaranhar de dinâmicas e traumas ocultos.Traumas de todos os tipos são armazenados no corpo e ocorrem no lado direito do cérebro. A Constelação Familiar produz cura ao libertar somaticamente os traumas. Colocar e manter clientes e representantes em seus corpos, e permanecendo em meu corpo como facilitadora, é a chave para uma Constelação bem-sucedida e significativa.Notas:1. A dança dos 5 Ritmos é um espaço livre no qual os indivíduos podem se mover livremente de acordo com um conjunto de ritmos que vão do fluido ao staccato, ao caos, ao lírico e finalmente à quietude.2. Gabor Maté é um palestrante dos impactos perpétuos dos traumas de infância em pessoas com doenças físicas e mentais. Escreveu inúmeros livros e aparece frequentemente no YouTube.3. Um exercício introduzido por nossa instrutora Barbara Morgan que intuitivamente sentiu a necessidade desse tipo de contenção quando fazia seu próprio trabalho pessoal para impedir que se dissociasse.4. https://www.brainyquote.com/quotes/diane_2 _3779955. https://www.faustfamilyconstellations.com/trusting-knowing-field“O ‘campo do conhecimento’ é um termo criado pelo alemão Albrecht Mahr, um médico, psicanalista e líder no trabalho de Constelação Familiar. O ‘campo do conhecimento’ é o campo de energia da constelação. Este campo de energia informa ao facilitador, aos representantes, ao cliente e àqueles observando a constelação o que pode estar afetando a consciência do cliente. É esse conhecimento informado que guia as constelações.” Autor: Jamy

REFERÊNCIASAltman, J. (2006) Mirror Neurons, Reflections on Franz Ruppert’s Article in Issue 7 of The Knowing Field. The Knowing Field International Constellations Journal. Issue 8. Frome, Somerset, UK.Booth Cohen, D. (2006) I Carry Your Heart (I Carry it in My Heart), Family Healing in Prisons, The Knowing Field International Constellations Journal, Issue 8. Frome, Somerset, UK.Booth Cohen, D. (2010) Family Constellations and the Kabbalah. The Knowing Field International Constellations Journal. Issue 15. Frome, Somerset, UK.Boulton, J. (2006) The Knowing Field International Constellations Journal. Frome Issue 8, Somerset, UK.Hellinger, B., Weber, G., Beaumont, H. (1998) Love’s Hidden Symmetry: What Makes Love Work in Relationships. Zeig, Tucker & Co, Phoenix, Arizona, USA.Hellinger, B., (2006) A Better World, Interview with Bert Hellinger. The Knowing Field International Constellations Journal, Issue 8. Frome, Somerset.Kelley Harrell, S. (2012) Reader’s Companion for Gift of the Dreamtime – Awakening to the Divinity of Trauma. Soul Intent Arts, North Carolina, USA.Kolk, Bessel van der (2014) The Body Keeps the Score: Mind, Brain and Body in the Transformation of Trauma. Penguin Books Ltd., UK, Kindle Edition.Levine, P. (1997) Waking the Tiger: Healing Trauma. North Atlantic Books, California, USA, Kindle Edition.Lingg, H. K. (2006) Management Constellation, Using Constellations to Solve Management Problems, The Knowing Field International Constellations Journal, Issue 8. Frome, Somerset.Maté, G. (2003) When the Body Says No: Exploring the Stress-Disease Connection. John Wiley & Sons Inc., Hoboken, New Jersey, USA.Montagu, Ashley (1905) Touching: the Human Significance of the Skin. Harpers, New York, USA.Peyton, S., (2016) The Nine Domains of Brain Integration and Constellations. The Knowing Field International Constellations Journal, Issue 27. Frome, Somerset, UK.Riesenburg-Malcom, R. (2006) Bion’s Theory of Containment in Bronstein. C. Kleinian Theory: A Contemporary Perspective. Whurr, London, UK.Roth, G. (1997) Sweat Your Prayers. MPG Books Ltd, Cornwall, UK.Roevens, J. (2009) Towards some ‘Best Practice’ for Organisational Constellations Work, The Knowing Field International Constellations Journal, Issue 14. Frome, Somerset, UK.Ruppert, F. (2006) Mirror Neurons, Reflections on Franz Ruppert’s Article in Issue 7 of The Knowing Field. The Knowing Field International Constellations Journal. Issue 8. Frome, Somerset, UK.Strozzi Heckler, R. (1984) The Anatomy of Change: A Way to Move Through Life’s Transitions. North Atlantic books, California, USA.Winnicot, D.W. (1965) The Maturational Processes and the Facilitating Environment. Karnac Books Ltd, New York, USA.Yalom, Irvin D. (2002) The Gift of Therapy (Revised And Updated Edition): An open letter to a new generation of therapists and their patients. Little Brown Book Group. Kindle Edition.
Poppy Altmann tem praticado e ensinado a homeopatia por mais de 15 anos nos setores voluntário e privado, mais recentemente se especializando em questões de saúde mental, dependência e distúrbios alimentares. Ela é muito intuitiva, empática e uma curadora inteligente. Uma aprendiz avançada dos treinamentos de Barbara Morgan, conduz workshops de Constelação Familiar e oferece constelações individuais no sudoeste de Londres. Original de Richmond-upon-Thames na Grande Londres, Poppy ainda vive com suas duas filhas jovens adultas e seu cachorro nesta linda parte do mundo.poppyaltmann@me.comwww.poppyaltmann.com

A Percepção Representativa e a Natureza da Realidade (Alemka Dauskardt)

REFLEXÕES PESSOAIS

Alemka Dauskardt

“Há algo no universo – uma mente, um princípio ou uma inteligência – que comanda e ‘in-forma’ o fenômeno que estrutura e mantém unido o fenômeno que observamos no mundo.” Ervin Laszlo(2017)

“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria ao homem tal como é: Infinito.” William Blake (1994)

Eu estimo o convite do editor para que os consteladores foquem no fenômeno da percepção representativa nas constelações nessa edição do periódico. Como um pilar, no qual toda a prática da Constelação se baseia, é surpreendente que artigos e discussões a respeito do tema sejam tão escassos. Provavelmente pelo fato de o tema ser muito difícil de ser abordado. Ou talvez pode-se argumentar que a exploração desse fenômeno pela maioria dos consteladores foi, e continua sendo, tratada do ponto de vista fenomenológico: chegando a nosso conhecimento por meio da experiência real de incontáveis constelações.

A atitude adotada por Bert Hellinger nos primeiros estágios do desenvolvimento, encorajou tal prática e, enquanto eu estava aprendendo sobre constelações, muitas perguntas surgiram em minha mente racional, tais como: “Como isso funciona?” Tais perguntas eram respondidas na seguinte linha: “Não sabemos como funciona, mas sabemos que funciona. Não conseguimos explicar, e não é necessário saber como funciona para que seja benéfico.” Essa era uma abordagem muito pragmática, que via o trabalho se espalhando enormemente, e que, de fato, tinha beneficiado muitas pessoas. Também nos manteve focados no fenômeno em si, ao invés de ficarmos o intelectualizando. 

Mas a prática da constelação, que tem se espalhado por toda parte, invariavelmente, traz à luz questões mais amplas a respeito da natureza da consciência e da natureza da realidade, da natureza do mundo em que vivemos. Me lembro também de ouvir Hellinger dizer no início que uma vez que nos abrimos à experiência da percepção representativa e a levamos a sério, toda nossa visão do mundo tem de mudar.

Constelações, Ciência e Espiritualidade

Aposto que muitos de nós ainda nos lembremos daquele momento em que vivenciamos a percepção representativa, que nos deixou perplexos e surpresos. Cada um de nós tendo que chegar a um acordo sobre as implicações do inegável fato testemunhado em cada constelação – como um estranho representando uma pessoa que não conhece autêntica e precisamente canaliza a energia da pessoa, da situação ou de dinâmicas relacionadas.

Até então, ficamos tão acostumados a este fenômeno que não o questionamos, ou mesmo imaginamos sua natureza. O problema é que esses fenômenos dos quais a Constelação depende, e os usa na verdade, são incompatíveis com as crenças amplamente aceitas sobre materialismo científico, no qual o mundo material que observamos com nossos sentidos é a única realidade possível.

Como nós, praticantes da constelação, lidamos com esta situação é uma questão importante a se considerar, especialmente à luz do frequente clamor visando maior aceitação de nosso trabalho. 

Alguns continuam a ignorar essas questões focando pragmaticamente na prática do trabalho. Outros se esforçam em realizar pesquisas e produzir ‘evidências científicas’ para o Campo do Conhecimento e para a eficácia do método.

Alguns tentam explicar a percepção representativa dentro dos mecanismos conhecidos de transmissão de informação, aceitos dentro de uma estrutura científica vigente, tal qual os neurônios-espelho (neurônios ativados tanto quando agimos quanto quando observamos a mesma ação realizada por outra pessoa, desta maneira ‘espelhando’ o comportamento do outro, como se o observador estivesse ele próprio agindo) ou a ressonância límbica (a ideia de que a capacidade de compartilhar estados emocionais profundos surge do sistema límbico do cérebro).

Alguns autores sugerem que “acredita-se que todas as representações são partes do estado psicológico do cliente”e que a constelação é “dessa forma… uma exploração intrapsíquica”na qual o representante está “ressoando com a mente inconsciente do cliente, que é seu trabalho.1

Ainda assim, outros sugerem que os representantes em uma constelação estão todos subconscientemente interpretando as orientações e posições do grupo e também reagindo a elas: “em outras palavras, captamos as informações através das posições espaciais dos representantes e através da interpretação dessa localização espacial por meio de nosso conhecimento da geometria social.(Michael Reddy, 2012)

Estas explicações ficam todas dentro dos modelos de compartilhamento de informações aceitos (e aceitáveis), aprendizado e desenvolvimento que podem ser acomodados nas disciplinas da neurociência, psicologia, sociologia, biologia e física, sem cruzar a linha do que a estrutura científica vigente permite e, portanto, acredito eu, não cumprindo a tarefa de capturar a verdadeira natureza da percepção representativa.

Tal compreensão desse e de outros fenômenos que observamos nas constelações são frequentemente acompanhados por um desejo de nos afastarmos dos aspectos ‘metafísicos’ ou ‘espirituais’ ou ‘xamânicos’ do método de constelação. Ainda assim, é precisamente nesses aspectos que o poder e a eficácia dessa prática se encontram. Acredito que nós, o Campo constelador, não deveríamos nos afastar disso, pois é o que dá à constelação sua força, mas, de preferência, deveríamos estar sempre na vanguarda da mudança de paradigma na visão do mundo, que é necessária para acomodar o fenômeno que testemunhamos. Esta é uma proposta ousada, mas se quisermos nos aproximar do entendimento dos aspectos essenciais da natureza da prática da constelação, não é necessária a criação de uma nova ciência – mas uma total mudança de paradigma.

Tal mudança já está sendo presenciada e estamos ouvindo algumas proeminentes vozes, mesmo no meio científico, clamando por isso. Uma revolução científica está perto de nós e acredito que o trabalho de Constelação pode ter um papel importante em moldar este novo e emergente paradigma, e nós, consteladores, não devemos temer entrar mais visivelmente nesse vasto mundo, saiamos do armário, sem temer sermos excluídos do cenário principal. Vivemos tempos emocionantes de grandes mudanças, e creio que as Constelações poderiam e deveriam estar na linha de frente dessas mudanças.

A visão científica materialista do mundo ocidental está cada vez mais cedendo à compreensão do Universo que é orgânico, auto organizável, holográfico, fractal e consciente, em constante movimento, guiado por uma força além da estrutura de tempo e espaço e que é, até hoje, um mistério para nós. 

Em alguns campos específicos, a ciência está se aproximando dos ensinamentos de muitos sistemas espirituais, como a filosofia Taoísta, o misticismo judeu, a mitologia hindu, e os ensinamentos de Buda e também da sabedoria ancestral de povos indígenas:

“Utilizando-se de seus corpos, mentes e espíritos a fim de juntar informações vitais a respeito do mundo, xamãs chegaram ao entendimento de que a epistemologia (como sabemos o que sabemos) está estreitamente ligada à consciência. Os xamãs compartilham o mundo e ganham conhecimento de maneira raramente compreendida por povos modernos: por meio de conhecimento participativo direto.”2

Apesar de os xamãs de todo o mundo saberem há milênios que os seres humanos são as ferramentas mais importantes disponíveis para se adquirir conhecimento, essas dimensões da vida não são reconhecidas no paradigma materialista atual. Tampouco possuem tais dimensões espirituais, em seu reconhecimento repousa a diferença crucial entre constelações e outras práticas relacionadas, como o psicodrama ou a escultura familiar e até se diferenciando da constelação individual ou nas escolas. O reconhecimento dessa dimensão spiritual é a marca da constelação, tal qual desenvolvida e ensinada por Bert Hellinger, seguida por muitos e também um ponto de partida de sua abordagem por outros:

“Tudo que existe, não se move de acordo com sua própria concordância, mas de acordo com o exterior. Todos os seres vivos, mesmo quando parecem se mover por si só, têm um início que não pode vir de dentro. Portanto, cada movimento de tudo que é vivo resulta de um movimento que veio do exterior… Cada movimento, especialmente cada movimento de um ser vivo, é um movimento calculado, consciente e intencional. Este conceito pressupõe consciência na força que move tudo. Em outras palavras, cada movimento é um movimento pensado. O movimento se inicia pois é pensado por essa força, e entra em movimento da maneira que é pensado.” (Hellinger, 2008)

Os fenômenos que observamos nas Constelações sugerem que a mente e a consciência operam em um nível transcendental de realidade que normalmente não está acessível a nossos sentidos e a nossa consciência; eles continuam operando nos campos de energia mesmo após a morte. As informações que fazem parte de nossas mentes/consciência (como memórias, emoções, pensamentos, ligações etc) não se perdem com a morte física, mas continuam acessíveis através do tempo e espaço e podem ser relativamente canalizadas pelos vivos, mesmo por aqueles que não conheciam ou não tiveram nenhum contato com os donos originais dessas energias armazenadas.

Além disso, através das Constelações também observamos as leis sistêmicas que operam em todos os sistemas humanos, desde o corpo, a família até organizações e nações, que nos ensinam sobre a natureza sistêmica do Universo. 

Cada um de nós está inserido em um complexo sistema de redes, holísticas por natureza, criativas e independentes. A natureza holística também assume a não dualidade como expressa visualmente através do símbolo taoísta do yin e yang, no qual a luz presente na escuridão e a escuridão presente na luz indicam que tudo contém um pouco de seu oposto polar. O Tao também faz alusão ao constante movimento do Universo, como o fluxo da água, que está em contínua mudança e assume formas diferentes ou temporárias.

In-formação

Nas Constelações sentimos o fluxo de informações que chega até nós através de uma corrente ininterrupta de experiências de nossos ancestrais e de toda a humanidade como a soma de todo conhecimento existente que in-forma (in-form em inglês, em- forma) quem somos atualmente.

Rupert Sheldrake reconhece o papel que tem a informação nos campos morfogenéticos ao nosso redor, determinando formas, mantendo padrões de ordem e também conectando um ao outro às estruturas relacionadas através do espaço e do tempo.

Se considerarmos a teoria de Sheldrake dos campos morfogenéticos, a ideia da Sincronicidade e do inconsciente coletivo de Carl Jung, o conceito budista do Dharmadhatu, o Tao ou o que em outras tradições é descrito como Deus ou o Grande Espírito, em todos os lugares encontramos a mesma compreensão: há uma força unificadora básica que guia e conecta tudo que se revela no universo:

“A compreensão da humanidade de nosso universo está atualmente se transformando em uma visão global que é, na verdade, o renascimento da ancestral sabedoria filosófica. Em termos muito simples, a emergente compreensão de nosso universo aceita que a consciência ou ‘a mente’ tem papel fundamental em co-criar nossa realidade interconectada e ‘cheia de vida’.”3

Através de teorias dos pensadores dos sistemas principais em particular, como Ervin Laszlo, uma figura do Cosmos aparece como um todo auto-organizado e auto-atualizado, onde cada parte está ligada à outra e todas as partes juntas geram as condições para o surgimento da vida e da consciência. Não somos apenas o produto da atividade de carbono e algumas proteínas vivendo e morrendo no Universo, mecânicos; evoluindo de acordo com algumas leis da física sem sentido:

“A visão de um cosmos lógico, interconectado e ciclicamente auto renovável não é nova. O mais importante em meio a seus antecedentes históricos é a visão que inspirou a imaginação de inúmeras gerações na Índia e por todo o oriente: a visão de um mundo que surgiu de Akasha.”(Laszlo, 2004)

A memória e a informação existem na natureza.; são fenômenos reais. Em um nível quântico vemos que toda partícula que alguma vez ocupou o mesmo estado quântico que outra, permanece conectada a ela, e a troca de informações ocorre entre elas através do tempo e espaço instantaneamente.

Em Constelações, observamos este fenômeno em um nível familiar e de outros sistemas humanos. Toda pessoa que já pertenceu a um sistema por muitas gerações, continua a pertencer e a se comunicar com todos os outros membros do sistema através do tempo e do espaço. As informações armazenadas em um campo daquela família podem ser acessadas por qualquer outro membro daquela família e, de fato, a energia dos destinos sofridos por nossos ancestrais continuam a informar as vidas de nossos descendentes vivos:

“Gerações após gerações de humanos deixaram seus traços holográficos no Campo-A, e as informações nesses hologramas estão disponíveis para a leitura. Os hologramas dos indivíduos estão integrados a um super holograma, que é o holograma abrangente de uma tribo, comunidade ou cultura. Os hologramas coletivos se assimilam e se integram ao super holograma de todas as pessoas. Esta é a fonte de in-formação coletiva da humanidade … Podemos sintonizar nossa consciência para ressoar com o holograma no Campo-A.”(Laszlo, 2004)

O Campo

            “Muito além de ideias de certo e errado, 
            há um campo. 
Nos encontraremos lá
            
Quando a alma se deita naquela grama, 
            o mundo está cheio demais para que falemos dele.” 
4

O campo in-formacional do universo fica mais e mais aparente quando estudamos a natureza de nosso mundo. O que era inicialmente considerado um ‘espaço vazio’ entre planetas e toda a matéria, com o constante crescimento do conhecimento científico, se tornou uma ‘totalidade de energia’ – um rico caldo de informações responsável por moldar (in-formar) nosso mundo. Essa compreensão se torna possível por meio de observações desde níveis quânticos a cósmicos. “o vácuo quântico é o mecanismo de informação holográfica que grava as experiências históricas da matéria.”(Mitchell in Laszlo, 2014)

Sabemos que nas Constelações é possível construir um sistema mesmo sem que algum membro do sistema familiar esteja fisicamente presente, o que aponta para a possibilidade de conexão entre todos no sistema da ‘família humana’ e mesmo além dela. Muitos consteladores sabem dessa possibilidade de se conectar dessa maneira e se comunicar não apenas entre os humanos, mas também outros seres vivos como animais e plantas, bem como outros elementos da natureza e conceitos abstratos. Portanto, temos que assumir um Campo comum pelo qual tal transferência de informação, tal conexão seja possível. O que isso nos diz também, sem sombra de dúvidas, é que a consciência possivelmente não pode se restringir ao cérebro de um ser vivo e que não pode ser a prerrogativa apenas dos humanos:

“A cura remota, energia e a cura por in-formação dependem das informações extra-sensoriais vindas de uma fonte que deve ser justificada em qualquer discurso sério a respeito da natureza da realidade – e esta, provavelmente, deve ser a mesma fonte que gera as interconexões entre a quanta e as conexões transpessoais entre organismos e mentes … dei o nome dessa fonte de Akáshica ou Campo-A.”(Laszlo, 2004)

A ‘coerência não local’ do Campo, que se torna aparente e tangível no processo de uma Constelação, sua habilidade de armazenar e transmitir informações e conectar tudo, não precisa ser atribuída a alguma força misteriosa além do nosso mundo natural, de acordo com Laszlo: 

“A coerência não local é um fenômeno científico genuíno, tão real e compreensível quanto a luz, eletromagnetismo, massa e gravidade – no entanto, inicialmente ela demonstrou ser tão intrigante quanto os outros fenômenos foram.” (Laszlo, 2004)

O conhecimento acessado através do Campo de Conhecimento nas Constelações não só fornece informações úteis, em relação às dinâmicas familiares, por exemplo, mas é curativa em sua essência, como se a exposição a esse Campo fornecesse um diagrama pelo qual sistemas se realinham, sempre buscando um equilíbrio maior, mais harmonia e saúde.

De fato, alguns cientistas e médicos, postulam que tal diagrama existe, ‘o padrão específico da espécie’ de acordo com o qual o ‘padrão morfo-dinâmico do indivíduo’ tem de se corresponder ou se sintonizar. Na verdade, a vida só pode ser sustentada no universo porque sistemas vivos ‘se sintonizam’ e ressoam com o padrão básico de in-formação presente no universo:

“A antiga compreensão de que o organismo pode se curar quando em contato com o universo é reafirmada na medicina com base no campo Akáshico. As informações que codificam todas as coisas no universo estão presentes em todo ser humano. Elas são completas e funcionais, guiando os incontáveis processos do organismo, e são capazes de corrigir uma vasta variedade de disfunções. Porém, elas precisam ser acessadas e, para pessoas modernas, primeiramente, identificadas como estando presentes e que podem ser acessadas.” (Sagi, 2018, p. 43) 

A Força Orientadora

Há muitas tradições filosóficas e antigos sistemas de conhecimento que apontam para conhecimentos muito similares, da mesma maneira que fazem alguns cientistas nas fronteiras de novos conhecimentos em muitas disciplinas diferentes.

O biologista desenvolvimental Bruce Lipton defende uma nova abordagem para a psicologia: 

“A mudança de Newton para a mecânica quântica altera o foco da psicologia dos mecanismos psico-químicos para o papel dos campos de energia. A psicologia energética foca no software de programação de consciência e não no hardware psico-químico que mecanicamente expressa o comportamento.” (Lipton, 2016)

Um amplo, novo e envolvente campo da ciência conhecido como noética admite que a estrutura do universo é criada à semelhança de seu Campo oculto:

“A consciência noética revela que coletivamente somos a encarnação do ‘campo’. Cada um de nós é ‘informação’ se manifestando e experimentando uma realidade física. Integrando e equilibrando a compreensão de uma consciência noética de nossa consciência física irá nos capacitar a nos tornarmos verdadeiros criadores de nossas experiências de vida.” (Lipton, 2016)

O professor Ervin Laszlo afirma corajosamente, mas com um argumento muito mais convincente e elaborado: 

“Uma inteligência superior rege o Universo e cria suas leis e a inteligência superior é espiritual por natureza.”(Laszlo, 2017)

Já Einstein escreveu:

“Todos que estão seriamente envolvidos na busca da ciência se convencem de que um espírito se manifesta nas leis do universo – um espírito muito superior do que o do homem, e um espírito ao qual devemos, com nossos poderes modernos, nos submeter.”(Laszlo, 2004)

(No original em alemão, ele utilizou a palavra ‘Geist’, palavra de difícil tradução que pode significar ‘espírito’, ‘mente’ ou ‘inteligência’.) 

Bert Hellinger escreveu consideravelmente (e lindamente) sobre o que nos conecta e que fundamentalmente, claro, torna possível a percepção representativa:

“Nos tempos de Platão, a palavra ‘psique’ significava algo que nos conecta a outros, que estabelece o tipo de conexão entre nós, que nos ajuda a perceber os outros e torna possível a compreensão do outro. A psique é a conexão invisível entre mim e o outro. Como poderíamos alcançar o outro sem a existência das ligações invisíveis entre nós que conecta meu espírito ao espírito do outro? Como o contato poderia ser possível sem essa ligação invisível que nos permite estar em contato com o outro e ao mesmo tempo com uma visão de algo maior de que todos nós dependemos?

O que é a alma? Tudo que existe possui alma, e a percebemos por meio de nossa alma, sintonizada com uma alma universal? O que está acontecendo por trás de tudo e de nós mesmos? Em tudo, uma alma infinita está em atividade. Sintonizada com esta alma e junto a ela, somos uma unidade com tudo que existe, e com tudo que existe junto a ela. Como? Com amor.” 5

Algum tempo se passou desde que Hellinger passou a ter consciência dos sistemas humanos pela primeira vez e também da natureza da realidade por meio das Constelações. O método tem mudado, bem como nossa compreensão da vida, do amor e da cura por meio dele. O papel dos representantes nas Constelações também mudou consideravelmente, de Constelações Familiares tradicionais para Constelações Espirituais; foi necessária uma sintonia ainda mais fina com os movimentos do Campo por trás delas. 

O que não mudou, àqueles que seguem os ensinamentos de Hellinger, foi o processo de contar com as informações do Campo em busca de orientação, compreensão e cura. Em seus escritos mais recentes, Hellinger se refere à Força, cujos trabalhos observamos através do Campo, como ‘Espírito-Mente’, e se entrega ainda mais a sua autoridade orientadora. 

No entanto, nomeamos essa Força (“O Tao que pode ser nomeado não é o Tao eterno”Lao Tsu, 1972), para mim, não há dúvida de que a essência das Constelações está na confiança em sua sempre presente sabedoria. É por meio dela que somos in-formados; é por meio dela que somos guiados, é por meio dela que nos conectamos e é somente em harmonia com ela que seguimos adiante:

“Aristóteles fala sobre a ideia de um primeiro motor, um motor que tudo move porque ele concebe. Portanto, tudo que existe deve sua existência e seus movimentos à concepção de um espírito que em tudo penetra. Daí segue a ideia de que o espírito não somente concebeu tudo, porque se movimenta, mas também continua concebendo a cada movimento. Observando por esse prisma, percebemos tal espírito e esse primeiro motor imediatamente operando em tudo que se move e na maneira que se move.”

“Isso mostra nas experiências que por vezes sentimos que estamos presos a um movimento e somos lavados a sua posse, como se ele viesse de fora além de nossas vontades e desejos pessoais. Acima de tudo, ele aparece quando um novo conhecimento nos é dado nesse movimento, expandindo nossa consciência., bem como a consciência da humanidade. Aqui esse primeiro motor mostra que, finalmente, tudo está em suas mãos.” (Hellinger, 2013, p.37)

A importância do fenômeno da percepção representativa não está apenas em nos ajudar a ‘ler a mente’ dessa Força em nossos esforços de nos alinharmos a ela para uma melhor saúde e bem-estar, mas também como sua manifestação clara expressa por sensações corporais e movimentos de representantes em particular em uma Constelação. A percepção representativa torna o Espírito e seus trabalhos visíveis.

REFERÊNCIAS

Blake, William (1994) The Marriage of Heaven and Hell. Dover Publications (re-published edition of the work which was originally published ca. 1794).

Laszlo, Ervin (2017) The Intelligence of the Cosmos: Why are we here? New Answers from the Frontiers of Science. Inner Traditions, Rochester, Vermont, USA.

Hellinger, Bert (2008) Rising in Love: A Philosophy of Being.Hellinger Publications, Germany.

Hellinger (2013) The Churches and their God.Hellinger Publications, Germany.

Laszlo, Ervin (2004) Science and the Akashic Field: An Integral Theory of Everything. Inner Traditions Rochester, Vermont, USA.

Lazslo, Ervin (2014) The Self-Actualizing Cosmos: The Akasha Revolution in Science and Human Consciousness. Inner Traditions, Rochester, Vermont, USA.

Laszlo, Ervin (2017) The Intelligence of the Cosmos: Why are we here? New Answers from the Frontiers of Science. Inner Traditions, Rochester, Vermont, USA.

Lao Tsu (1972) Tao Te Ching, Random House, USA.

Lipton, Bruce (2016) Embracing the Immaterial Universe. https://upliftconnect.com/embracing-immaterial-universe/

Reddy, Michael (2012) Health, Happiness and Family Constellations: How Ancestors, Family Systems, and Hidden Loyalties Shape Your Life and what YOU Can Do About it.  ReddyWorks Press, Kimberton, PA, USA.

Sagi, Maria (2018) Healing with information: The New Homoeopathy. O-Books, Winchester, UK. 

Notas:

1. Vivian Broughton: The Intention Method, Blog post, www.vivianbroughton.com

2. Glenn Aparicio Parry: Native Wisdom In A Quantum World, www.shiftinaction.com/node/2705

3. Phillip J. Watt, Wake Up World, https://wakeup-world.com/2015/07/06/3-scientific-fields-that-are-helping-to-evolve-humanitys-worldview/

4. Rumi, Quotes, www.elise.com/q/quotes/rumi.htm 

5. Bert Hellinger: Monthly letters, July 2014, www.hellinger.com. (No longer available)

Alemka Dauskardttem mestrado em Psicologia com especialização na Gestalt-terapia, aconselhamento de relacionamentos, terapia intercultural e trabalhos com trauma. Alemka é uma praticante de Constelação em tempo integral em seu próprio consultório. 

Desde a primeira vez que teve contato com o Trabalho de Constelação em 1995, todas as áreas de sua vida professional e pessoal foram inspiradas por ele. Tem usado tal abordagem em cenários individuais e também trabalhando com workshops. Realiza treinamentos de Constelação Sistêmica na Croácia e em outras partes do mundo. 

No campo do trabalho sistêmico, seu foco tem sido nas constelações de reconciliação e no aprendizado de como eventos de um sistema maior moldam a esfera de relações íntimas. Alemka se interessa em explorar os desafios correntes que a prática e a comunidade consteladora tem de enfrentar. Também é escritora e tradutora de obras sobre constelação. Mais amplamente, está empolgada com a mudança de paradigma que vem acontecendo em tantas áreas relacionadas e vem abrindo novos horizontes. 

alemka1@yahoo.com

www.konstelacija.hr

Crise e felicidade

Todas as coisas estão sujeitas a mudanças, são impertinentes, como afirmam os budistas. Também o sucesso, as vitórias e os ganhos. Por isso, convém cair e fracassar de vez em quando, desenvolver um pouco o músculo da frustração; é importante saber escorregar dignamente na impotência e na humildade, e sentir os limites e a tristeza, o aroma úmido do humano. Os inevitáveis obstáculos do caminho nos tornam fortes e mais reais; de vez em quando precisamos de lágrimas para manter lubrificadas as dobradiças de nossa fragilidade e abertura emocional, e de nossa proximidade com os outros.

Portanto, acho que é uma aposta arriscada demais fazer a alegria depender de as coisas serem de determinada maneira – uma maneira que, para a maioria das pessoas, tem a ver com o ganhar. Acho uma aposta melhor preparar-se, e preparar também os filhos, para dispor dos recursos que permitam enfrentar os dissabores, as adversidades, as inclemências, as perdas e os desafios, e saber lutar e se esforçar, quando for necessário, para desenvolver a excelência (a virtude, também poderíamos dizer) naquilo que fizermos e vivermos, e também a verdadeira humanidade quando atravessarmos as portas da retração. Em minha experiência profissional e de vida vi que algumas pessoas encontram e mostram seu lado mais colorido, comovente, genuíno e vital exatamente quando parece que não conseguem governar sua nave como sempre fizeram, surge outra humanidade, outra necessidade dos outros e outra medida da existência e do que tem valor.

Algumas crises operam como se tivessem um presente implícito, liberando as pessoas de suas rançosas imagens interiores acerca de quem são, e de suas imagens de que as coisas deveriam ser de determinada maneira. Carregam em si e exigem o desenvolvimento de uma atitude de permissão, aceitação e concordância com o que é.

Joan Garriga Bacardí

trecho extraído do livro “A chave para uma boa vida” (Academia)

Por vezes os Efeitos Colaterais são os Efeitos Principais: A Prática Relacional Contemplativa da Representação na Constelação Sistêmica

REFLEXÕES PESSOAIS

Artigo publicado em The Knowing Field Journal e cedido para tradução e publicação em português para Sim à Vida

 

Karin Dremel

 

Muitos facilitadores na Constelação Sistêmica utilizam princípios e nomenclaturas da abordagem original de Bert Hellinger, Constelações Familiares.  Outros adicionam a esta suas experiências profissionais, competências, orientações culturais e mensagens pessoais a fim de oferecer variações ao tema sistêmico. Muitos, talvez todos, concordam que nossa prática faz parte de um grupo denominado Constelação Sistêmica. Pretendemos elucidar e resolver desequilíbrios em todos os tipos de sistemas, normalmente iniciando com a família, mas também, cada vez mais, além desses. Em todas as instâncias nos importamos com as questões de nossos ancestrais, pois os ancestrais importam – independente das questões ou do sistema em questão.

Eu ampliei e desenvolvi os trabalhos de facilitadora no decorrer dos anos e me sinto grata por fazer parte da comunidade internacional SCW (Systemic Constellation Works – Constelação Sistêmica) de agentes criativos de mudança. Minha ênfase pessoal é embasada em muitos anos de trabalho clínico como traumatologista. Ao abordar traumas biográficos, ancestrais, históricos e sociais e as infinitas ramificações físicas, mentais, psicológicas sociais e espirituais, gradativamente dei à facilitação da Constelação Sistêmica um ritmo orientado a recursos e processos. A combinação dos pontos de vista sistêmico e traumatológico se consolidaram e, após muitos anos de prática, se transformaram na Traumatologia Sistêmica. Hoje, este é meu posicionamento tanto quando constelando por campos traumatológicos complexamente interlaçados quanto quando estou com um paciente em meu consultório.

Este artigo trará uma visão mais próxima de representantes e testemunhas. Seu papel no processo da constelação sistêmica cativou meu interesse por vários anos. Tal envolvimento culminou em minha tese de mestrado, em 2017, a respeito de minhas próprias experiências e minha fascinação em representar. Esta é uma síntese daqueles trabalhos junto a meus pensamentos no presente momento. Estou desenvolvendo projetos de pesquisa para, possivelmente, esclarecer minhas afirmações abaixo. Sinto-me muito entusiasmada e ciente de minha parcialidade de ‘conhecer’ o poder que a representação teve em meu desenvolvimento – o poder de fisicamente se colocar no lugar do outro.

A fascinação sem fim se inicia, primeiramente, com a contemplação da coragem das pessoas em representar os problemas de outros. SCW explicitamente opera dentro da estrutura da teoria do trauma ancestral, portanto, a ativação do trauma oculto (ou não tão oculto) no processamento de uma questão será inevitável. Porém, no caso de o sistema se apresentar indiferente ou inóspito de início, pode-se presumir que a ativação do trauma está ‘travada’. De qualquer maneira, pode-se assumir que cada participante estará em posição de considerável desconforto, dor ou mesmo terror. Por muitas vezes, o trauma familiar, e o contexto social no qual ocorreu, se perdem em algum lugar da memória. Mesmo assim, a constelação confiavelmente faz com que as conexões quebradas e seus efeitos somáticos se tornem tangíveis e visíveis. As dores relacionadas irão emergir e serão sentidas. Além disso, uma vez que o cliente / portador da questão se senta para, à distância, acompanhar os representantes, como sugere o nome, servem ao sistema do outro sem um roteiro! E mesmo assim, eles se envolvem.

A emergência de traumas sociais tem se tornado cada vez mais aparente, de diferentes maneiras na esfera pública. As pessoas devem urgentemente despertar para os cada vez mais densos traumas sistêmicos. Um bom começo seria um olhar profundo à perpetuação sócio histórica e re-encenação do trauma. A SCW é a ferramenta para isso, e representar oferece as lentes para visualizar e vivenciar dores não resolvidas e fragmentos em narrativas de ascendências ‘esquecidas’. Enquanto há evidências científicas crescentes para a transmissão de traumas, particularmente gerados por meio de pesquisas na terceira geração de vítimas e agressores do Pós Holocausto, outros campos de pesquisa de transmissão de traumas não são tão bem fundamentados. Em parte, isso acontece, pois, outras narrativas de traumas sócio históricos (tais quais a escravidão, opressão colonial, guerras etc.) são profundamente soterradas em tempos lineares e, também, muito mais aprisionadas e negadas. A voz profética de Charles Wright Mills clama aos pesquisadores sociais desde 1959 quando escreve, “… todo indivíduo vive, de uma geração até a seguinte, numa determinada sociedade; … vive uma biografia, que vive dentro de uma sequência histórica.”Ele insistiu que cientistas desenvolvessem a Imaginação Sociológica.  (Wright Mills 1959, 6) 

A pesquisadora de ciências sociais afro-americana Joy Degruy Leary se dedicou ardorosamente à imaginação sociológica através de diversos séculos e criou um vasto banco de dados que, por fim, resultou na Síndrome do Escravo Pós Traumático (PTSS), colocado no mapa da sociedade norte americana. (DeGruy Leary, 2005) A PTSS deu um nome ao ‘trauma da oscilação’ do afroamericano do racismo externo e internalizado. Uma vez que citar experiências é incapaz de magicamente resolver as diversas camadas do trauma, incitações ao proceso somático de experiências com base na Constelação Sistêmica realizam um grande trabalho derretendo lugares congelados, consolando fantasmas famintos e reparando conexões partidas. Isto pode ser observado em um sistema constelado quando testemunhamos as contrações se expandindo: impulsos aprisionados emergindo e opções relacionais creativas se manifestando por meio das ações dos representantes.

A presença carismática e a admirável capacidade de sintetizar muitas fontes anteriores reverberam em muitos dos principios da Familienstellentradicionalpela qual ainda tenho muito apreço. Por vinte e sete anos tal vitalidade me manteve engajada enquanto, concomitantemente, redirecionava minha facilitação para o processo informado sobre o trauma. Portanto, chamar a essência do meu trabalho de Traumatologia Sistêmicanão é apenas um termo inteligente, estou simplesmente dando nome aos bois. Traumas gerados individualmente ou vitimização não existem; da mesma forma que o crescimento restrito também não. Os facilitadores de constelações operam em camadas sobrepostas de traumas. Logo, necessitam ser encorajados a estudar o trauma sistêmico, mecanismos de superação e padrões de resiliência a fim de equipar seus representantes no processo de constelação. Isso não quer dizer que todo facilitador se torna um especialista em traumas. Facilitar requer, no mínimo, a utilização de senso comum em relação à informação sobre trauma e resiliência. Sem honrar as formas básicas, informadas sobre o trauma, de conduzir um processo, representantes e pessoas expondo suas questões podem sair machucados de uma constelação.  A sensibilidade informada sobre o trauma beneficiará todos os envolvidos, inclusive aqueles mais distantes.         

Sou alemã e adoro minha língua materna. E também tenho uma experiência cinestésica com a língua: Familienstellen, em alemão, é literalmente traduzida por ‘posicionar membros de uma família em um espaço’. De acordo com a língua alemã, o verbo stellen se torna um substantivo ao adicionarmos o substantivo Familie.Logo, o termo em alemão reflete apropriadamente a dinâmica de preparar o sistema. A foto da constelação aparece apenas em um breve segundo após todos os representantes serem conduzidos às suas posições. Antes e depois, testemunhamos os movimentos e interações das partes. Os movimentos e a postura representacional orientada ao processo transformam furtivamente o ‘indivíduo representando um papel’ em agentes de transformação de corpo, alma e coração plenos dentro do sistema que eles representam. Por meio de tal experiência, eles são metamorfoseados em todos os níveis de seus seres. Talvez isso seja ‘conhecido’ por muitos que participam desse trabalho, porém, deixe-me aprofundar um pouco mais a compreensão do porquê processarrepresentar(os verbos) são tão importantes.

Independente da ‘marca’ ou estilo do facilitador, toda constelação inclui alguma versão da percepção representacional. Até mesmo uma constelação de mesa utilizada para esse fim em um café conta com a percepção – de ambos, facilitador e da pessoa explorando suas questões – quando uma colher ou uma xícara representa uma bisavó, país natal ou ‘aquilo que está faltando’. AKönigsweg (Estrada real) ao potencial pleno da percepção representacional é uma experiência corporal de estar ali por alguém. Assim que alguém é escolhido, o processo interior de percepção começa em resposta ao ser posicionado (aufgestellt).Representantes experientes imediatamente sentem a mudança, geralmente aumentando durante períodos de relativa proximidade e interconectividade (ou a falta delas), que se sucedem e se desenvolvem. A complexidade e especificidade na estrutura do sistema são refletidas em emergências de sensações, impressões e impulsos graduais e variados. As pessoas vivenciam física, emocional e mentalmente que temporariamente fazem parte de um “retrato tridimensional vivo dessa geração ancestral que extrai os trabalhos de um sistema e soluções emergentes.”(Booth Cohen, 2009)

Até agora, infelizmente, as pesquisas de SCW focam na melhoria do cliente e do sistema familiar do cliente; os dados refletem os resultados pós tratamento. Ocasionalmente, os aspectos de representar são abordados, por exemplo as menções de representantes em dois estudos feitos por um grupo de pesquisadores em Heidelberg na Alemanha. Infelizmente, este grupo de pesquisadores optou por chamar os clientes de ‘participantes ativos’(PA) e aqueles representando de ‘participantes observadores (PO), que simplesmente funcionam como peças para os integrantes da família do PA.’(Estudo de Heidelberg, 2013) Os grupos de participantes e suasexperiências são muito menos visíveis, também não são considerados ativosnaqueles estudos. Tal omissão generalizada da experiência representacional é, de certa maneira, surpreendente. Não são a percepção, colaboração e as ações voluntárias dos representantes que proporcionam um modelo de cura e mudanças de equilíbrio? Além disso, na verdade(e não metaforicamente) colocar-se no lugar de alguém produz respostas personificadas poderosas. Há certo consenso em círculos de SCW de que representantes e testemunhas, que servemoutros e suas famílias, por sua vez, têmsua própria constelação e levam consigoesta experiência, uma vez que talvez espelhem algumas questões e recebem soluções potenciais para suas próprias questões e sistemas. Embora geralmente seja verdade, este consenso parece mais uma reflexão posterior do que realmente o que acontece com um representante ou para ele.

Em um workshop em 2018, um vídeo com Stephan Hausner na California, mostra dois participantes que conversam sobre a naturesa suntuosa de representar: “Quando eu represento…”, uma mulher compartilha: “… quando qualquer pessoa representa é como acordar no lugar de alguém a 10.000 quilómetros num piscar de olhos.”   Muito emocionada, outra pessoa acrescenta: “A generosidade das pessoas é admirável ao tomar para si experiências humanas incrivelmente traumáticas de alguém que conhecerem há 15 minutos e lidar com elas fisiológica, emocional e energeticamente e entregá-las a alguém.”(Hausner, 2018) Portanto, mais uma vez, não é surpreendente que representar não receba mais reconhecimento? Creio que sim. Logo, vejo o infindável valor das ações dos representantes não muito nos serviços ao outro (apesar de que isso indubitavelmente sejaum valor) mas no comprometimento orgânico em si.  

No serviço de estruturar esse valor intrínseco, defino a representação como ‘uma experiência contemplativa e orgânica do outro’, e o processo no qual essa experiência acontece, uma ‘prática contemplativa relacional’. Além disso, sugiro que aquilo que um participante envolvido leva com ele é exposição ao diferente e/ou o contraste como experiência. Aquilo que é levado pode ser definido como uma oportunidade de ampliar sua epistemologia, e mesmo sua ontologia além dos confinamentos de seu Sitz im Leben (sua história pessoal e contexto de vida). Resumindo, o resultado de representar como prática é ter a fluência dos sistemas humanos aumentada e a capacidade ampliada de se relacionar com a individualidade, com o outro e com a trama da vida. É importante enfatizar que isso não é conhecimento, mas o saber orgânico que emerge ao cruzarmos fundadasbarreiras sociais, culturais e históricas. Assim sendo, representar é habitar temporariamente o outro e, desse modo, transcender ostensivamente barreiras intransponíveis de tempo e espaço; permanecendo completamente materializado.

Já que profundos momentos de conexão acontecem em toda constelação sistêmica, a facilitação orientada ao processo e informada sobre o trauma vai além – esta será minha segunda tese. A ruptura de conexão acontece em pessoas quando algo que acontece ‘muito repentinamente – muito pouco – muito cedo – demais’ domina a capacidade de uma pessoa de responder adequadamente. Tais situações, inevitavelmente, levam a uma experiência de perda de poder. Precisamos respeitar tal experiência de impotência e ajudar a transformá-la em agente. Infelizmente, o modelo de trauma médico carece das profundas correntes sociais e históricas do trauma sistêmico e interseccional e seus efeitos paralisantes. Um modelo de trauma sistêmico, portanto, deve se tornar a essência da SCW. Indivíduos, desconectados de suas origens, de suas narrativas familiares, suas histórias de opressão e violência e privados de um lugar significativo na sociedade, estão em um estado de crônica “conexão rompida do ser, do outro e do mundo em geral.”(Lifton, 1976). Tais feridas são impostas em todos os níveis do corpo, mente e alma – e interativamente constroem velhos e novos limites seguidamente. Podemos seguramente supor que nenhuma ancestralidade será poupada da angústia de seu contexto histórico. A lealdade cega ao contexto familiar, ancestral, tribal e aos padrões coletivos são expressos por meio de negação, violência, depressão, desespero e o uso determinado de recursos distintos, tais como substâncias viciantes. Enquanto garante pertencimento, isso geralmente cobra um alto preço. Além disso, como nos lembra Hellinger, são Forças Maiores que precisamos conter a fim de buscar fluência, resiliência e humildade. O processo informado sobre o trauma nutre o agente (o antídoto para o desamparo) em ritmo sintonizado, qualidade de orientação e amplas escolhas através de linguagem convidativa. Isto, em oposição a uma postura diretiva do facilitador, envolve decididamente e sistemicamente a criatividade durante toda a constelação e co-regula todo o sistema nervoso no ambiente. A fluidez ampliada, mais uma vez, durante a constelação, é mais tarde encontrada além do ambiente. Muitos casos de mudanças ‘casuais’ nas famílias pós constelação ou outros sistemas confirmam tal fato. Com o tempo, tenho certeza, as pesquisas de CS honrarão a todos como co-criadores de transformações sociais. Ao estudar a condição humana além do que somos como indivíduos, a cada representação, evidencia ignorância (‘deles’ e nossa própria) desnuda preconceitos (‘deles’ e nossos próprios) e olha os rompimentos e entrelaçamentos direto nos olhos (‘deles’ e de nossos próprios).  

E por último, mas não menos importante, uma palavra a respeito de representar como uma prática contemplativa. Muitas práticas como a meditação, yoga ou oração também facilitam a contemplação. Porém, muitas delas são buscas relativamente solitárias, mesmo que praticadas em grupo. Outras, realizações mais relacionais, visam aqueles em busca de felicidade ou terapia (trabalhos de casal, práticas tântricas, dança dos ‘5 Ritmos’ etc.). Sem dúvidas, todas as formas são valiosas para expandir a sensibilidade de uma gama de comportamentos condicionados. Ainda assim, difundir a cegueira em uma relação de interdependência (fora dos tradicionais grupos de terapia) é difícil de praticarde fato. A Constelação Sistêmica informada sobre o trauma e o processo faz exatamente isso. Todo espaço/tempo da SCW é um recipiente característico criado por e para um grupo com uma Anordnung (configuração) sistêmica e com questões específicas compartilhadas em dado momento. Um workshop de constelação sistêmica normalmente gera um tipo de intimidade imediata entre estranhos, notavelmente além de grupos genéricos ou de terapia familiar. O ‘nosso espaço’ coletivo acontece dessa mesma maneira apenas uma vez (a não ser que estejamos falando de um grupo de constelação em andamento). Como notado anteriormente, a SCW orientada ao processo atrai todos nesse espaço compartilhado como co-criadores e co-curadores desse Campo relacional específico. Mover e ser movido, ver e ser visto, ouvir e ser ouvido, oferecer e receber assistência dar e aceitar proteção, reinvindicar e render espaço, estender e aceitar cuidado, tudo acontece em tempo real e orgânico. Deparar-se com o habitual e o desconhecido e/ou o que emerge de diferente em um invólucro de nósdinâmico na sua melhor forma, fora do ‘nós’ tribal ou coletivo. Acumular experiências de se importar com o outro, da mesma forma que desenvolve respeito espacial ao diferente, no final, tornará mais difícil magoar o próximo e, simultaneamente, fortalece a capacidade de se manter verdadeiro a si mesmo.  

Resumindo, representar na Constelação Sistêmica (CSW) exerce o papel de nos curar e curar o mundo representação a representação. Defino esta situação como contemplação orgânica da diferença distinta e afirmo que isso nos convida a novos ‘espaços nossos’ que nutrem nossa capacidade de ser radicalmente e inclusivamente humanos.       

Karin Dremel

Tradução: Alexandre Wenceslau para Sim à Vida                                           

REFERÊNCIAS  

DeGruy Leary, J (2005) Post Traumatic Slave Syndrome. America’s Legacy of Enduring Injury and Healing.Uptone Press, Milwaukee, USA.

Hausner, S. (2018) Transgenerational Healing with Stephan Hausnerwww.youtube.com/watch?v=ys-tq_LOti4. Acesso: 28 de dezembro, 2018.  

Trailer de 10 minutos introduzindo cinco longas documentários, à venda em: http://transgenerationalhealingfilms.com/.

Weinhold, J., et al (2013) Family Constellation Seminars Improve Psychological Functioning in General Population Sample: Results of a Randomized Controlled Trial. Journal of Psychology, 60, no. 4.

Wright Mills, C (1959) Sociological Imagination. Oxford University Press, New York, USA.

Karin Dremel MTS, HP, R. P.é psicoterapêuta em Boulder, CO. Ela utiliza princípios de constelação informada sobre trauma com ndividuos e casais, em grupos de constelação orientadas ao processo e supervisão corresponsável. Mestrada em Estudos Teológicos na Escola de Teologia Iliff em, Denver, a levou a oferecer acompanhamento espiritual em resposta  a abusos religiosos e traumas. Karin atualmente é uma aluna de doutorado no Instituto Western para Estudos Sociais em Berkeley. Ela estuda a natureza sistêmica do trauma, tolerância e resiliência. A Constelação Sistêmica tem papel central como ferramenta para a educação sobre trauma sistêmico e sua recuperação. O trabalho de Karin é criativo, profundamente relacional e sempre agradável. Ela pode ser contratada internacionalmente para sessões online.

karin.dremel@wisr.edu

www.ancestor-matters.com

Ser quem somos

Ser quem somos e nos conhecermos, aponta pelo menos duas vertentes distintas. Uma transcendente, na qual somos algo que nos iguala e nos aproxima da fonte da vida, com independência de seus registros. Trata-se da vertente espiritual. É o Ser. Nela estamos confiados e entregues a algo maior que o eu. A outra é a vertente da identidade que encarnamos no mundo, da personalidade que criamos e da qual necessitamos para viver. Nela nos sentimos seres individuais com data de nascimento, filiação, propriedade, consciência do eu, projeto e destino e ideia de um fim pessoal do qual não sabemos data nem hora, mas do qual temos clareza. Nessa identidade convivem a esperança, a alegria e o anseio junto com a tristeza e a desesperança. É o espaço das preferências e sentimentos. É a trama do viver e de se responsabilizar pela própria vida.

Essa identidade é um veículo; nos permite ir aqui e ali e nos abre caminhos na vida. Essa identidade nos expande, nos engrandece e nos localiza. Passamos de filhos a esposos e pais, de alunos e aprendizes a professores, ou trocamos de papéis e funções para nos localizarmos no contexto que toque. No entanto, ela também pode ser uma prisão que nos limita, quando nos imobiliza na inflexibilidade de ter de ser de certa maneira. Então, em vez de nos expandirmos, nos retraímos. Permanecemos em posições estereotipadas, sempre filhos ou sempre professores ou sempre seguros ou sempre simpáticos. A melhor identidade e, portante, o melhor veículo são aqueles flexíveis, adaptáveis e conectados às exigências e necessidades da realidade, do momento e dos contextos. Em ajuste criativo com o entorno, tal como expressa a teoria da terapia Gestalt. Em certos contextos podemos ser pais; em outros, filhos; em alguns, seguros e expansivos; em outros, apavorados.

Desde pequenos aprendemos o que nos é conveniente. Aprendemos que é melhor ser de certa maneira, dar certa feição à vida. Assim, nos sentíamos mais seguros e queridos, por exemplo, quando nos comportávamos de uma maneira da qual nossa família ou nossos pais gostavam, ou quando éramos como eles. Sem nos darmos conta disso, aprendemos a apostar em certos valores, crenças, condutas e formas de vida. Alguns inconscientemente disseram: sinto-me melhor quando sou obediente, ou rebelde, ou quando me queixo ou choro, ou me mostro tímido e não faço barulho, ou lidero, ou sou perfeito… E assim fomos construindo certa identidade. Um traje adequado para abrir caminho, para ter um lugar.

Às vezes escutamos alguém dizer “sou fraco” ou “sou forte”, sou assim ou assado. Quando faz essas afirmações, o indivíduo tenta se estender como uma ideia de si próprio, mas, por outro lado, limita-se, se contrai nessa mesma ideia de si. A principal tarefa na vida é estender-se em todas as direções, reconhecer-se em todas as partes. Isso é crescimento. Por isso, muitas vezes é necessário mudar e deixar os limites estreitos marcados pela identificação com certas características de nossa personalidade para alcançar o desenvolvimento desejado. A vida precisa de força em certos momentos e contextos, e da debilidade em outros, tanto da ternura como da rigidez, tanto da inteligência em certas coisas como da ignorância em outras. Assim, a identidade se estende em todas as direções. Enraizada no Ser em estado puro e sem forma, uma espécie de ponto zero a partir do qual se revelam todas as manifestações e registros. […]

Assim aqueles que desejam ter um perfil muito definido e constante, estável, correm o risco de se converter em máscaras de si próprios. Ao contrário, aqueles que cultivam a arte da flexibilidade parecem sempre novos, criativos, surpreendentes e ajustados ao que requer cada momento.

A chave para uma boa vida

A chave para uma boa vida é, em suma, a chave dos séculos, dos tempos, a chave mágica que sempre sonhamos possuir, sem saber, cegos e insensatos, que estava pendurada em nosso pescoço o tempo todo. É o legado de muitas pessoas anteriores a nós, que se puseram diante de uma infinidade de portas que, como grandes oportunidades, lhes deram acesso a uma vida com sentido. Transitaram por seus acertos e por seus erros, seus sonhos e seus despertares, suas luzes e suas sombras, en nos legaram a chave qual bússola que continua dizendo a todos nós: viva, e viva com beleza, e para isso seja você mesmo, e se alegre por isso, em cada momento de sua vida. E jamais permita que adormeça em você a lembrança do Ser nu, da grande presença, do Tao, do Atman, de Deus. É que a vida como é, pulsando em cada um como é, é a chave em si. Não sua forma nem seu material, e sim sua essência. Não seu design nem seus dentes, e sim seu ouro constituinte. A chave é o Ser. E, com ela, todas as portas lhe serão acessíveis. Joan Garriga Bacardí “A chave para uma boa vida – Saber ganhar sem se perder e saber perder ganhando a si mesmo”

Melhor e pior: conceitos da mente

Uma das grandes proezas a que o relacionamento afetivo nos convida consiste no progressivo desenvolvimento da experiência de igualdade real entre ambos. Sei que muitas pessoas se consideram em igualdade de categoria com seu parceiro, mas aqui não estou falando de ideologia, e sim de experiência real, profunda e verdadeira. Estou falando de nossa verdade interna. Sabemos que, se as boas intenções dessem bons resultados, o mundo seria um lugar mais agradável. E que se o os bons pensamentos dirigissem o mundo, haveria menos sofrimento. Contudo, o que toma a dianteira e domina nossa vida é a verdade real sobre nós mesmos e nossos sentimentos e vivências íntimas, não nossa ideologia. Quantos afirmam ideologicamente que se sentem iguais ao parceiro e, a seguir, desqualificam, por exemplo, suas origens ou seu entorno, ou seu comportamento? Quantos, no sentido oposto, criticam a si mesmos em um indigno alarde de baixa autoestima, de autorrebaixamento?

Uma grande proeza interior para todos consiste em compreender que “melhor” e “pior” são conceitos da mente, não da realidade; compreender que o pleno respeito se mostra quando sentimos que o outro, qualquer que seja ele, é estritamente idêntico a nós perante a vida; quando compreendemos que o outro também é aquecido pelo mesmo sol e refrescado pela mesma chuva, independentemente de sermos justos ou pecadores, como reza o Evangelho. […] Não é um equilíbrio fácil. As vezes, por amor ao companheiro, um dá pouco mais que o outro e, assim, esta pessoa corre o risco de ficar menor na relação. Entretanto, também pode ser aconselhável que, por verdadeiro amor, se dê um pouco menos, em função daquilo que o outro pode receber e devolver dentro de suas possibilidades. É conveniente cuidar bem desse assunto e evitar o que poderíamos chamar de “os males do dar”, que veremos mais para frente. Se um dá muito e o outro pode receber ou devolver pouco (embora talvez exija muito), criam-se frustração e desigualdade e, então, em um sentido profundo, pode já não haver relacionamento, mas sim faltar paridade. “Não caminhe na minha frente, eu posso não segui-lo. Não caminhe atrás de mim, eu não posso conduzi-lo. Apenas caminhe ao meu lado e seja meu amigo”, escreveu Albert Camus. E poderíamos acrescentar: “Não caminhe acima de mim, posso perder-lo de vista, e nem abaixo de mim, pois posso pisar em você; caminhemos juntos, lado a lado”. Isso é igualdade.

Joan Garriga Bacardí “O amor que nos faz bem”

O poder nos relacionamentos

Para que as coisas circulem sobre os trilhos do amor que nos faz bem, nenhum dos dois deve sentir que tem poder sobre o outro, mas deve contribuir para que o outro alcance o máximo poder em si mesmo. A realidade, não obstante, é que os dois membros do casal com freqüência se envolvam em lutas de poder que minam a relação. De fora, quase sempre parece que o homem é o mais forte. Contudo, muitas mulheres, no íntimo, julgam-se melhores que seu companheiro. Não se pode generalizar, claro, mas me consta que isso acontece com freqüência. E, quando falta entre os dois o verdadeiro respeito, a relação começa a ser desigual e mais competitiva que cooperativa, rompe-se a franqueza e a felicidade do vínculo profundo, mesmo que o relacionamento perdure.
Tanto homens quanto mulheres podem tentar imaginar se seriam capazes de inclinar a cabeça, suavemente e de coração, perante o(a) companheiro(a), e viver isso como um gesto de reconhecimento e respeito a sua existência e sua realidade, e não como uma humilhação e uma derrota. É possível? Fugindo de preconceitos e ideologias, o que encontro em minha experiência real nos workshops é que as pessoas que lutam e competem vivem isso como impossível, ao passo que as que sentem amor e consideração por seu(sua) parceiro(a) experimentam-no como alegria, beleza e liberdade.
Há outro exercício interessante: olharmos para o(a) parceiro(a) e nos perguntarmos , de forma nua, crua e verdadeira, se nos sentimos superiores, iguais ou inferiores. Não em uma área determinada, não no atletismo ou no sudoku, não na culinária ou jardinagem, mas sim no essencial, no mais íntimo de nossa verdade interna. Propus esse exercício aos presentes em um workshop, e, curiosamente, contra o que se poderia esperar, mais mulheres se sentem melhores que os homens. Sei que isso pode ser polêmico, mas é o que diz minha experiência: muitas mulheres se sentem melhores, algumas se sentem iguais e só algumas se sentem piores. Com os homens é o contrário: só alguns poucos se sentem, na realidade, melhores que a companheira, muitos se sentem iguais e muitos se sentem piores.
Acredito que o homem, no íntimo, tem ciência do poder da mulher, do poder afetivo, do poder que lhe dá a maternidade, de sua intimidade emocional, de como sabe se mover em termos de comunicação, relação e vida, ou seja, nos assuntos essenciais. Talvez por isso o homem tenha dominado o poder econômico ou político, porque estava assustado com sua ignorância nos assuntos emocionais e analógicos. Até agora nos diziam que a mulher só tinha o poder dos sentimentos, mas acontece que são justamente os sentimentos que movem o mundo, inclusive o mundo dos poderes econômico e político.
Seja como for, é conveniente estendermos o olhar, de um modo mais amplo, para o fato de que tanto homens quanto mulheres são afetados por um mal maior, por uma praga emocional de maior alcance que nos mantém doentes em nossa humanidade, que vem da expulsão do paraíso comunitário e tribal de nossos antepassados caçadores-coletores, para passar à mente patriarcal na qual estamos culturalmente submersos, e que quase confundimos com nossa natureza, na qual o outro já não é um irmão, e sim um inimigo. Vivemos mergulhados em um paradigma competitivo que julgamos natural, infectados como estamos pela grande importância do eu pessoal. […]
O verdadeiro poder está em se afirmar na realidade de si mesmo, não em se sentir superior a outra pessoa ou em domina-la física ou psicologicamente. Experimentamos o próprio poder quando nos enraizamos e nos reconhecemos em nossa experiência real, a cada momento e lugar; quando estamos em conformidade com nossa realidade, com nossos sentimentos, problemas, alegrias, vivências, pensamentos, contradições, necessidades; com nosso lugar de origem, cultura, família, lutas; com nossos desejos de mudar aquilo de que não gostamos ou aquilo que sentimos como injustiça etc., ou seja, quando estamos em sintonia com nossa realidade tal como ela é a cada instante, e a administramos com respeito por nós mesmos e pelos outros.
Trecho extraído do livro: “O Amor que nos faz bem: Quando um e um somam mais que dois” de Joan Garriga Bacardi

Sobre terminar bem os relacionamentos

Como eu dizia, o principal indicador de que uma relação anterior está bem terminada é que somos capazes de estar felizes em uma relação posterior. E, em sentido contrário, o principal sintoma de que uma relação não está bem terminada é que ainda não conseguimos encontrar outra direção nem nos envolvermos em outra história com força e com sentido, ou seja, boa parte da energia ainda está em assuntos do passado.  […]

Por outro lado, terminar bem significa fechar com amor, com amor pelo que vivemos e com amor pela pessoa, mas em outra posição. Porque sobre o amor do que vivemos antes podemos construir um edifício forte. Certas pessoas pretendem fechar o passado com muito ressentimento, com muita amargura, com muito azedume. E então tentam construir um edifício sobre cinzas e ruínas, e ele sempre será fraco.

Uma segunda (ou terceira, ou quarta) relação deve ser construída sobre o amor da anterior, sobre o que houve de bom da anterior, deve-se dignifica-la, por assim dizer. Certas pessoas buscam uma segunda relação e dizem: “A anterior foi um desastre, esta será boa”, ou desqualificam a pessoa anterior e pensam que a seguinte será melhor, com o príncipe ou a princesa encantada esperada. E então algo não funciona, ou funciona forçadamente apenas por um tempo, visto que a oposição a algo no início nos da uma força especial, mas depois enfraquece o relacionamento e é muito provável que também não prospere. Sobre a rejeição não se constrói bem, porque o que rejeitamos está sempre atrás de nós perseguindo-nos, tomando nossa energia. Edificamos melhor quando temos bons alicerces e quando podemos reconhecer o amor que houve no anterior, e seus limites, e quando nos rendemos a esses limites.

[…]

Muitos homens e mulheres se apoiam nas feridas que relacionamentos anteriores lhes causaram para dizer não a um novo amor. Mas a cada manhã podemos nos levantar e dizer: “Sim, eu caminho para a vida, caminho para minha felicidade”, ou “Ponho bálsamo em minhas feridas em vez lhes conceder o lugar do tirano”, ou também: “Como já fui ferido antes e consegui superar isso, não preciso de novas armaduras, posso abrir mais facilmente meu coração”. Só devemos nos recusar a tirar partido de nosso próprio sofrimento. Caminhar para a vida é uma decisão que requer força para deixar a dor para trás; requer renunciar aos benefícios que obtemos com nossas feridas.

[…]

O novo se constrói sobre o velho quando o velho não são ruínas e cadáveres, e sim, bons alicerces de amor, respeito e gratidão. Portanto, uma relação termina de forma saudável quando, com o tempo necessário, dentro de nós torna a fluir o amor e do lado de fora ficam claros os nossos limites.

Trecho extraído do livro “O amor que nos faz bem: Quando um e um somam mais que dois” (Joan Garriga)