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Saber perder ganhando

“Saber perder ganhando ou sem se perder, é outro grande desafio que nos obriga a viagens heroicas para renascer de nossas cinzas, idealmente mais livres e fortalecidos. Obriga-nos a reconhecer limites e feridas, conduzindo-nos à operação interior de rendição diante do que foi difícil. Leva-nos a assumir nossa condição humana frágil e exposta, porque, em algum nível, somos todos corações feridos, e certamente alguns galhos de nossa árvore se quebraram ou quebrarão, mostrando dignamente sua beleza em sua imperfeição.”

Trecho extraído do livro: “A chave para uma boa vida – Saber ganhar sem se perder e saber perder ganhando a si mesmo”, Joan Garriga, Ed. Academia, 2016.

A dor e suas posições existenciais

Diante da magnitude ou da gravidade de fatos dolorosos, algumas pessoas cedem a caminhos que as levam a clubes de sofrimento inútil: o dos queixosos, ressentidos, vítimas, justiceiros, vingadores, hedonistas, loucos, etc. Trata-se de posições existenciais edificadas para prevenir ou administrar as investidas que ferem quando é contrário ao que nosso coração desejou ou necessitou. Sem dúvida, afastam-nos de nosso centro e de nossa força. Quando o sofrimento toma a forma de posições existenciais estratégicas e manipuladoras como essas, quase nunca desperta a compaixão natural dos demais, senão o incômodo, já que sob o jugo da convicção que concede direitos lhes exige algo, os obriga a algo, os manipula. Está mais que superada a ideia de que o sofrimento concede direitos. Creio que não deveria ser assim, já que esse tipo de sofrimento faz sofrer os demais. Fere porque não respeita a responsabilidade e a dignidade entre iguais. Esse tipo de sofrimento não útil, posicional, faz sofrer os demais e impede sua liberdade.  Maltrata a vida, a entorpece. Na terapia reconhece-se pelos benefícios secundários que o suposto sofredor obtém. O bom terapeuta o confronta e o frustra para que o indivíduo possa se dar conta e assumir sua verdadeira responsabilidade.

Trecho extraído do livro “Viver na Alma”, Joan Garriga, 2011

Sobre se sentir bem sucedido e valioso

“Todos nós gostamos de ganhar e de nos sentirmos bem-sucedidos e valiosos, claro; e todos os pais desejam que seus filhos atravessem as portas do ganhar. Mas é uma aposta de vida muito arriscada fazer todo o nosso bem-estar e felicidade dependerem de as coisas serem como desejamos, de estarmos sempre ganhando, sempre em expansão, sempre no brilho do sucesso.

Por outro lado, quando tudo vai muito bem as pessoas correm o importante perigo de se envaidecer e se endeusar. Caem facilmente na versão malsã do orgulho inflado de si mesmas. Às vezes, encontro pessoas que tiveram sucesso muito rápido e muito jovens, e penso: ‘Coitadas! Será que sabem lidar com isso e sobreviver? Sua alma ficará a salvo de suas conquistas?’. Porque correm o risco de se confundir, acreditando demais que são especiais e que seu sucesso se deve a méritos próprios, em vez de saber que são só instrumentos de uma vontade maior que as toma a seu serviço; ou que se trata de um presente ou um empréstimo, se não de um acaso da vida. Talvez não consigam perceber que o verdadeiro sucesso não é ganhar, e sim servir, isto é, pôr à disposição da vida nossos talentos e capacidades. Talvez não compreendam que somos instrumentos, e não metas, e que aquele que chamamos de ‘eu’ e consideramos nossa identidade é insignificante na gigantesca circunferência das coisas. Podem se identificar com o ganhar e com uma ideia tão inflada de si mesmas que perdem o contato com o jogo real da vida e com a ideia fundamental de que tudo é passageiro.”

 

Trecho extraído do livro “A chave para uma boa vida” Joan Garriga, 2017. Ed. Academia

Entregar os filhos para a vida

“A vida anseia, para seu próprio crescimento, que os pais executem pelo menos quatro movimentos básicos: dar a vida, cuidar para fazê-la crescer, entrega-la à sua própria autonomia e perseverar o vínculo, sentindo-se, mais e mais, como raízes de uma árvore que continua dando frutos. Portanto, eles têm que entregar o filho, em algum momento, a si mesmo, à sua autonomia. Às vezes, esse é um movimento difícil, e alguns pais evitam enfrenta-lo, com medo de perder seu filho;  ou porque querem continuar protegendo-o, ou porque tentam mantêm-lo muito perto deles, como se não confiassem o suficiente em que ele, depois de ser entregue à própria vida, vai continuar igualmente filho e próximo para sempre. Mas pelo bem de todos, devem lhe dar permissão para ele vá para sua própria vida. E, junto com essa permissão, dar-lhe confiança para que o faça com o máximo bem-estar possível, e fazê-lo sentir também que tem os instrumentos necessários para conseguir.

[…]

O valioso, por exemplo, não é se tornar um virtuoso do piano, e sim tocar quando se sente movido a isso, e curtir. O sucesso é seguir o próprio movimento, não necessariamente ser um expert ou o melhor em algum âmbito. A excelência ou virtudes seria apenas o resultado de exercitar nossos dons. Na realidade, o virtuosismo frequentemente esconde uma tentativa de forçar as coisas para dar à vida o que não temos. Podemos nos disciplinar, sacrificar e esforçar para conseguir maior desenvolvimento de nossos dons e tendências naturais, claro, mas tristemente, também acontece que alguns filhos tentam conseguir algo que talvez não faça parte de seu repertório espontâneo, só para satisfazer às expectativas dos pais ou de outras pessoas.

O trabalho terapêutico muitas vezes segue a linha de aceitar os pais, mas os pais têm que aceitar os filhos como são e entrega-los à própria vida. […] E a ação de desapegar traz em si, como principal ingrediente, a ação de amar e respeitar. Em meu trabalho diário como terapeuta encontro muitos filhos dependentes de seus pais, que os debilitam com suas exigências e amarras, ou com sua dependência; e pais que também os superprotegem ou esperam muito deles e os amarram, sem empurrá-los para seu próprio caminho. É preciso aceitar que os filhos cometerão erros e às vezes sofrerão, e que nem sempre poderemos estar presentes – nem devemos. Convém entregar os filhos a seus recursos e a suas dificuldades, a seus acertos e erros; permitir-lhes que enfrentem seus próprios problemas e confiar em que saberão encara-los.

Portanto um dos meus propósitos é incentivar os pais a empurrar seus filhos para vida, para que cresçam e sejam pessoas capazes, para que cometam seus próprios erros e aprendam. Quem dera os pais permitissem que os filhos enfrentassem pequenas dificuldades com freqüência, porque, assim, eles se testariam e se fortaleceriam. Quando os pais dão ao filho a chave e o entregam à vida “com todas as suas consequências”, o filho ganha algo novo: seriedade e responsabilidade. E também perde algo: a antiga dependência, que o fazia pequeno e inocente. Em parte ele está assustado, mas também excitado e pletórico.

Trecho extraído do livro “A chave para uma boa vida”, Joan Garriga, 2017, Editora Academia.

Sobre dar para a vida o que temos para dar…

Às vezes não somos o que somos e não damos o que temos porque sentimos medo e desconfiança. Preferimos não arriscar. Optamos por não nos expor e nos retraímos. Mas temos que saber que é um pecado contra a vida não dar o que temos, e um pecado contra nós mesmos não ser o que somos. Todos possuímos algo diferente: alguns têm um destino anônimo e simples;  outros, um caminho notável e complexo; algumas são mães, outras não; alguns são camponeses, outros, trabalhadores, médicos, artistas ou oleiros. Alguns ficam solteiros – a maioria – se casam, procriam, etc.

[…]

Muitas vidas se amarguram por não seguir o ritmo do tambor que retumba em seus interiores (no âmbito que for: afetivo, profissional, social, espiritual, etc.), fracassam por não seguir a verdade dos próprios movimentos interiores, por não arriscar, por querer se manter a salvo na beira da aparente segurança, por medo da crítica, do desamparo, da pobreza, da solidão, de qualquer um dos quatro temíveis cavaleiros que se projetam no futuro. Contudo, nunca conheci alguém que, tendo seguido os verdadeiros rufares de seu tambor interior após reconhecê-los com clareza ( e às vezes integrando vozes contrapostas), se sentisse realmente perdido.

 

Texto extraído do livro: “A chave para uma vida boa”, Joan Garriga, Academia, 2017.

Sobre arriscar…

Em resumo, embora a vida seja maior que nós e escreva com seu sumo poder o que é, permite que cada um de nós procure ser o melhor amanuense possível para ensaiar um belo e satisfatório relato de nossa vida. Trata-se de uma dialética permanente: devemos fazer o que quisermos, sim, mas aceitar que a vida fará segundo seu capricho e vontade.

Há algum tempo  escrevi: “O Eu tem que se arriscar com todas as suas forças na direção do que deseja. Não diminuamos nossos sonhos. Não deixemos de querer aquilo que desejamos profundamente. Invistamos. Arrisquemo-nos na direção daquilo que nos move: o que me move é o amor, uma companheira, ter filhos; move-me escrever poesia, move-me cozinhar para os outros, move-me ser marceneiro, move-me contemplar o mar. Arriscamo-nos na direção do que ansiamos profundamente, e isso nos aproxima um pouquinho da felicidade; e estamos em paz conosco porque damos os passos adequados para ir ao lugar aonde queremos ir. Depois, a vida dirá. E a vida tem a última palavra. E, quando a vida fala, nós escutamos. E, quando conseguimos escutá-la, então, estamos também em uma sintonia maior com nossa felicidade.

Trecho extraído do livro: “A chave para uma boa vida – Saber ganhar sem se perder e saber perder ganhando a si mesmo” – Joan Garriga. Editora Academia 2017

A energia da dor

Existe a energia da dor, mas também existe a energia da atenção plena envolvendo a dor. Aqueles que não praticam permitem que a dor os oprima ou tentam fugir dela, ingerindo algo que encubra o sentimento doloroso interno. Pode-se comer algo, ouvir música; fazer qualquer coisa para não enfrentar o sofrimento interior. O mercado nos fornece tudo o que podemos usar para encobrir o sofrimento interno. Ao consumirmos desse modo nós permitimos que o sofrimento interno cresça. Temos que nos relacionar com a nossa dor para termos a oportunidade de curá-la. […] Nós não estamos mais fugindo deles (sentimentos dolorosos) ou os encobrindo. Reconhecer e acolher o sentimento doloroso finda a alienação entre corpo e mente.

 

Texto extraído do livro: “Paz mental” de Thich Nhat Hanh

Perdas

“Quando as perdas e o infortúnio ou as contrariedades nos visitam, devemos trabalhar para converter eles em nutrientes para a nossa vida, mas, sobre tudo, devemos nos perguntar se alguma parte mais ou menos inconsciente em nosso interior os deseja, examinar se não estávamos esperando por eles de alguma forma, se não existe em nosso interior alguma subpersonalidade tirânica e arrogante que pretende reestabelecer delicados equilíbrios e afetos familiares e  nos obriga a sentar no banco dos acusados e nos impõe um castigo.

Resumindo: que nossas lealdades sejam expressadas através do ‘mais’ e não no ‘menos’, na alegria e não nas lágrimas, na expansão e não na retração. Que consigamos ser ativos no impulso da vida e não no da não vida, que Eros triunfe sobre Tánatos, a pesar de tudo.”

Trecho extraído do livro “La llave de la buena vida” (Joan Garriga) ainda não publicado no Brasil, tradução livre, M. Natalia M. H. Kopacheski.

Felicidade

“A prática de harmonizar corpo e mente proporciona mais paz, clareza, compaixão e coragem em nossas vidas cotidianas. Com estas quatro qualidades, podemos ter felicidade suficiente para ser capaz de ajudar os outros.

As pessoas têm a tendência de pensar em felicidade em termos de se ter muita fama, poder, riqueza e prazeres sensuais. Mas sabemos que almejar esses objetos pode trazer muito sofrimento. Então, precisamos compreender a felicidade de uma forma muito diferente desta. Se cultivarmos a paz em nós mesmos, a clareza, a compaixão e a coragem virão.

Se você não tiver compaixão, não poderá ser uma pessoa feliz. Uma pessoa sem compaixão é alguém que está completamente só, sem conseguir entrar realmente em contato com outro ser vivo. Com suficiente compaixão você tem a coragem de se libertar, e de ajudar outras pessoas a se libertarem. Esta é a verdadeira felicidade, o tipo de felicidade que cada um de nós precisa.”

Trecho extraído do livro “Paz Mental” de Thich Nhat Hanh (Editora Vozes)

O caminho da dor

“Vemos que quem consegue integrar o difícil, atravessar seus lutos, enriquece a vida. Ao contrário, quem fica preso em seus gemidos olha tanto para si mesmo que seus olhos já não podem contemplar os demais nem a realidade circundante. A vida fere a todos de alguma forma, nos sacode sem contemplações em algum momento. Porém a pergunta-chave é: que atitude vamos tomar? Onde faremos desembocar o terrível luto que nos encheu de fúria e angústia?

Outro assunto suplementar, embora não menos importante, tem a ver com o fato de que a desgraça tem, para muitas pessoas, aberto a porta de uma vida mais plena. ‘A desgraça abre na alma uma luz que a prosperidade não vê’, reza uma sábia frase que muitos têm experimentado como certa. Perder em um nível pode significar ganhar em outra dimensão. Quando a vida golpeia as pessoas com coisas terríveis, às vezes se abre uma janela para uma realidade transpessoal, a compreensão de que somos guiados por uma vontade maior, uma confiança renovada.

Por meio do não desejado a sabedoria oculta se manifesta. Por exemplo, a pessoa que cai deprimida pode descobrir em seu processo que tem de mudar de trabalho, de vida ou até mesmo que sua vocação é outra. Ou o indivíduo que sofre uma enfermidade pode compreender que precisa estar mais presente na vida dos filhos, ou que tem de se separar. Além disso, quando as pessoas experimentam grande dor já não precisam tanto da armadura do eu para se defender. Para que, se já foram feridas?  Podem se livrar da armadura e serem pessoas mais abertas, confiantes e confiáveis para os demais. De modo que nas feridas assumidas reside a possibilidade de soltarmos as armaduras que se mostraram inúteis e voltarmos abertos novamente, como meninos vibrantes com a vida.

Quando o pequeno eu não consegue governar sua pequena nave e se rende, recebe o presente de uma graça desconhecida.”

(Trecho extraído do livro “Viver na Alma, amar o que é, amar o que somos e amar os que são”, Joan Garriga, 2011)

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