“A vida anseia, para seu próprio crescimento, que os pais executem pelo menos quatro movimentos básicos: dar a vida, cuidar para fazê-la crescer, entrega-la à sua própria autonomia e perseverar o vínculo, sentindo-se, mais e mais, como raízes de uma árvore que continua dando frutos. Portanto, eles têm que entregar o filho, em algum momento, a si mesmo, à sua autonomia. Às vezes, esse é um movimento difícil, e alguns pais evitam enfrenta-lo, com medo de perder seu filho; ou porque querem continuar protegendo-o, ou porque tentam mantêm-lo muito perto deles, como se não confiassem o suficiente em que ele, depois de ser entregue à própria vida, vai continuar igualmente filho e próximo para sempre. Mas pelo bem de todos, devem lhe dar permissão para ele vá para sua própria vida. E, junto com essa permissão, dar-lhe confiança para que o faça com o máximo bem-estar possível, e fazê-lo sentir também que tem os instrumentos necessários para conseguir.
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O valioso, por exemplo, não é se tornar um virtuoso do piano, e sim tocar quando se sente movido a isso, e curtir. O sucesso é seguir o próprio movimento, não necessariamente ser um expert ou o melhor em algum âmbito. A excelência ou virtudes seria apenas o resultado de exercitar nossos dons. Na realidade, o virtuosismo frequentemente esconde uma tentativa de forçar as coisas para dar à vida o que não temos. Podemos nos disciplinar, sacrificar e esforçar para conseguir maior desenvolvimento de nossos dons e tendências naturais, claro, mas tristemente, também acontece que alguns filhos tentam conseguir algo que talvez não faça parte de seu repertório espontâneo, só para satisfazer às expectativas dos pais ou de outras pessoas.
O trabalho terapêutico muitas vezes segue a linha de aceitar os pais, mas os pais têm que aceitar os filhos como são e entrega-los à própria vida. […] E a ação de desapegar traz em si, como principal ingrediente, a ação de amar e respeitar. Em meu trabalho diário como terapeuta encontro muitos filhos dependentes de seus pais, que os debilitam com suas exigências e amarras, ou com sua dependência; e pais que também os superprotegem ou esperam muito deles e os amarram, sem empurrá-los para seu próprio caminho. É preciso aceitar que os filhos cometerão erros e às vezes sofrerão, e que nem sempre poderemos estar presentes – nem devemos. Convém entregar os filhos a seus recursos e a suas dificuldades, a seus acertos e erros; permitir-lhes que enfrentem seus próprios problemas e confiar em que saberão encara-los.
Portanto um dos meus propósitos é incentivar os pais a empurrar seus filhos para vida, para que cresçam e sejam pessoas capazes, para que cometam seus próprios erros e aprendam. Quem dera os pais permitissem que os filhos enfrentassem pequenas dificuldades com freqüência, porque, assim, eles se testariam e se fortaleceriam. Quando os pais dão ao filho a chave e o entregam à vida “com todas as suas consequências”, o filho ganha algo novo: seriedade e responsabilidade. E também perde algo: a antiga dependência, que o fazia pequeno e inocente. Em parte ele está assustado, mas também excitado e pletórico.
Trecho extraído do livro “A chave para uma boa vida”, Joan Garriga, 2017, Editora Academia.