A vida como mestre

“Muitos, ao final de um longo caminho, compreendem que a vida foi providencial, trazendo a cada momento, aos que souberam estar atentos, aquelas coisas e pessoas que se tornaram cruciais. Entendem, por fim, que a vida é construída de atritos, experiências e encontros que nos fazem crescer”.

(Trecho extraído do livro: “Viver na alma – Amar o que é, amar o que somos, amar os que são”, Joan Garriga, 2011)

Confiar em si mesmo

Confiar em si mesmo

Joan Garriga

Agosto 2007

Tradução M. Natalia M. H. Kopacheski em Julho 2016

Confiar em si mesmo consiste em saber, com mente, corpo e alma que algo é possível e merecido para nós. Mas a verdadeira confiança pode ser desfrutada somente na sua justa medida, no sutil equilíbrio da balança. Alguns, por exemplo padecem de déficit de confiança, e sabendo ou podendo mais do que acreditam, ficam curtos e cautos nas suas ações. Arriscam pouco, por debaixo do que são capazes. Entregam menos do que têm e não compartilham o que atesouram. Mais que humildes são cobardes e deveriam reconhecer sua grandeza maior. Outros pelo contrário, padecem excesso de confiança, e sabendo, ou podendo pouco sobre alguma coisa, se mascaram no alto de uma personagem inventada, e vão além de seus conhecimentos, capacidades e limites, vendendo gato por lebre, causando danos a outros e a si mesmos. Arriscam por cima do que podem e a realidade os confronta com sua verdade interior e os devolve aos seus limites. Devem aprender humildade. Por tanto, a tarefa consiste em saber com nitidez o que é possível e merecido para nós, matriz da confiança.

Na vida há momentos nos quais a maioria de nós podemos cair em estados de confusão e ver tudo preto, momentos em que somos assaltados pelas dúvidas sobre se conseguiremos aquilo que desejamos, ou se somos capazes de lograr aquilo que nos propomos ou chegar a ser o que queremos ser. Pensamentos negativos do tipo: “não vou ser capaz”, “não tenho as habilidades para conseguir o que me proponho” ou “não mereço” ou “não é possível para mim”.

As vezes acreditamos que não somos tão bons, inteligentes e dotados para chegar a conquistar nossas metas. Isto supondo que estejamos em um momento no qual sabemos o que queremos. São situações em que estamos em contato com o medo, ficando até paralisados, sem enfrentar a vida e duvidamos de nós mesmo.

Uma das causas profundas desta desconfiança é o conceito, muito arraigado em nossa cultura, de que as coisas estão bem ou estão mal, de que somos bons ou ruins. Quer dizer, dividimos o mundo entre o correto e o incorreto, e nos julgamos e condenamos a nós mesmos. Não nos permitimos ser o que somos, com todas nossas partes e não confiamos que nossa forma de fazer as coisas pode ser tão válida como qualquer outra. Ficamos exigentes falando que deveríamos ser de uma determinada forma, normalmente nos exigimos ser perfeitos. Em que consiste esta perfeição? Basicamente em que não temos que ter partes escuras, aquelas que consideramos negativas. Para alguns é não ser agressivos, nem medrosos, nem luxuriosos, para outros, é não ser débeis, nem frágeis; para a maioria é ser bondosos e querer aos demais. A realidade é que temos medo, ficamos bravos e nossas paixões e desejos nos arrastam as vezes, e que tem algumas coisas com as quais não podemos e outras que nos fazem sentir vulneráveis: Que fazemos com estas emoções e estas necessidades? As negamos e tentamos ocultar e reprimir, dizendo que já nunca mais vamos ser assim. Este é o erro que cometemos, em nosso interior sabemos que mesmo que as neguemos elas continuam lá, e nos sentimos incapazes e não confiamos em nós mesmos. Mesmo sabendo que isso forma parte de nós e que estamos fazendo muita força para reprimir certas atitudes. Sabemos que não somos como o ideal de perfeição que queremos ser e não confiamos em nós mesmos. Temos aprendido a nos perseguir e a não nos aceitar como somos. Ao nos alienar de nossa verdadeira realidade perdemos nossos pontos de apoio. A realidade é que somos um todo complexo de valores, atitudes e capacidades.

Desde a terapia Gestalt acreditamos que estamos formados por conjuntos de polaridades, quer dizer, de atitudes e capacidades que mesmo parecendo opostas, convivem dentro de nós e cumprem funções úteis. Eu sou agressivo e ao mesmo tempo passivo, sou amável e ao mesmo tempo desagradável, eu sou terno e simultaneamente frio. Quando não queremos assumir alguma destas qualidades, a negamos, então, começamos a desconfiar de nós mesmos. Se nos aceitamos tal e como somos, sabendo que essas características que temos podem ser úteis em algum momento, e que seguramente podem servir para nos adaptarmos melhor à realidade e aos diferentes contextos, então é mais fácil confiar em nós mesmos e em nossa naturaleza. Podemos ter consciência que partes nossas podem ser prejudiciais para nós e para os outros em algum momento, mas isso não significa, que neguemos que existem. Temos que aprender a canalizá-las para poder utilizá-las de forma adequada.

É comum em pessoas que não confiam em si mesmas, o fato de terem recebido mensagens muito contraditórios ou negativos, especialmente durante a infância. “Você é um peste”, “está possuído pelo diabo”. São frases que alguns clientes de terapia escutaram de seus pais quando eram crianças. Que tipo de conceito de si mesmos desenvolveram estes filhos? Primeiro, que tinham alguma coisa ruim em seu interior, e depois, que fora deles reside um poder que os julga, que sabe qual é o bem e o mal. Como podem confiar estas pessoas em si mesmas quando adultas? Será bastante difícil. Se seus pais não confiaram neles, como vão poder confiar em si mesmos? Com sorte, a posteriori a vida lhes dará de presente experiências nas quais poderão se sentir validados, ou encontros com pessoas construtivas através das quais poderão mudar seus valores interiores.

Outras vezes a perda de confiança não tem a ver com ter recebido mensagens pejorativas, pelo contrário, pode ter a ver com ter vivenciado mensagens de excessiva e irreal valoração, do tipo “você é o melhor em todo”, ou bem de sutil infra valoração, ao impedir as próprias experiências ou ter evitado o enfrentamento com obstáculos que poderiam ter fortalecido a criança. Por exemplo, podem ter sido sobre protegidos. Ou talvez não lhes tenha sido permitido realizar a maior parte das tarefas, que foram feitas por eles, com a melhor boa vontade, para que não tivessem que se esforçar ou para que não tivessem que sofrer. Neste caso também pode se construir a ideia de si mesmo como incapaz. Frases como “não sobe…”, “não corre…”, “fica comigo e nada te acontecerá…”, “não faça as coisas sozinho, você precisa de mim…”, “cuidado, você irá se machucar…”, etc., são frases que fazem que quem as escuta, construa um conceito pessimista e de incapacidade. Quando superprotegemos, sem perceber, podemos apontar no outro sua incapacidade de resolver uma situação. Não nos arriscamos a que o outro possa ver até onde é capaz de realizar, para aprender tanto do sucesso como do fracasso. De fato, perante os fracassos, muitas crianças costumam tentar uma e outra vez até conseguir. Para aprender e preciso experimentar, para confiar tem que se saber enfrentar tanto o sucesso como o fracasso e saber gerenciar as situações de ganho, assim como as de perda, pois de ambas a vida nos proverá.

Joan Garriga

 

A vida canta em mim

Porque no final perdemos tudo aquilo que temos, tudo aquilo que acreditamos ser se desvanece. Na última e definitiva porta soltamos a nós mesmos, soltamos nossa própria vida. E, com sorte, devolvemos agradecidos o empréstimo de vida que a Vida nos concedeu.

Porque a meta do eu é desvanecer-se, dissolver-se nas águas do doce esquecimento, igual à do corpo. Alguns podem viver e reconhecer isso enquanto ainda permanecem na vida. Então já não gritam ao universo ‘Eu existo’. Guiados por uma profunda sabedoria que lhes faz felizes, sussurram a si mesmos: ‘Na realidade eu não existo, porém a vida canta em mim por algum tempo’.

(Trecho extraído do livro: “Viver na alma – Amar o que é, amar o que somos e amar os que são”, 2011, Joan Garriga)

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Ele tem uma fala serena, bem pausada. Possui um jeito carinhoso e precavido com as palavras. Esse terapeuta e escritor por vocação reúne ainda os talentos dos bons comunicadores: clareza, objetividade e poder de síntese. Não importa se está escrevendo um livro, dando uma palestra ou uma rápida entrevista, você vai observar essas três habilidades.

Garriga foi o introdutor da Constelação Familiar na Espanha – em 1999 convidou o alemão Bert Hellinger, criador da técnica, a apresentar esse trabalho no Institut Gestalt de Barcelona, entidade criada por ele em 1986, onde atua como terapeuta e formador de Constelação Familiar. Autor de best-sellers em seu país, como “Dónde Están las Monedas?” (2006) e “Vivir en el Alma” (2008), ele é hoje um dos principais expoentes dessa terapia na Espanha e nos países de língua espanhola.

Na sua última vinda ao Brasil para dar um workshop, realizado no ano passado na Região Metropolitana de Curitiba pelo Luz do Ser Soluções Sistêmicas, Garriga teve a gentileza de me conceder esta entrevista (conversamos por cerca de 40 minutos). Ele falou de seu último livro lançado no Brasil, “O Amor Que Nos Faz Bem”, e o que aprendeu nos últimos 15 anos de trabalho com casais, ajudando-os a encontrar saúde e harmonia nos relacionamentos.

Alice Duarte: Qual é a sua principal mensagem às pessoas que procuram o “amor que faz bem” em seus relacionamentos?

Joan Garriga: Deixar uma mensagem reduzida não é tão fácil quanto parece, é um mundo muito complexo. No meu livro “O Amor Que Nos Faz Bem” explico tudo o que eu aprendi em 15 anos de trabalho com pessoas e com casais sobre assuntos de relacionamento. É possível que o essencial seja ter expectativas razoáveis do que a vida a dois pode nos oferecer. Além disso, o que eu vejo na prática terapêutica com as pessoas é que o passaporte principal para que tenhamos sucesso como um casal tem muita relação com estar de acordo com os próprios pais. Muitas vezes, levamos para o próprio relacionamento assuntos não resolvidos com os nossos pais ou temos a expectativa de encontrarmos no nosso parceiro aquilo que não encontramos em nossos pais. Esse processo acontece através de uma linguagem sutil, às vezes soterrada, escondida, pouco evidente, e exige que seja retirada e exposta à luz, e este trabalho é necessário para sentir-se bem. Na realidade, o relacionamento a dois é a fonte da vida, a origem da vida. Do bem-estar do casal depende também o bem-estar dos filhos por várias gerações.

AD: Em seu livro você cita cinco condições para que um casal dê certo…

JG: Coloquei no livro, mas não é uma criação minha. É algo que eu li de um mestre hindu que se chamava Svami Prajnanpad. Ele dizia que, para que um casal dê certo, são necessários cinco ingredientes. O primeiro deles é que seja fácil, que flua com facilidade, sem muita turbulência, sem grandes explosões emocionais. De fato, que seja fácil significa que não são duas crianças, são dois adultos. Um casal é uma relação entre adultos, uma relação de igualdade. Ao formarmos um casal, nós nos despedimos da infância. Às vezes, um se apresenta como criança e o outro como adulto. Mas, como eu mencionei antes, o importante, para que seja fácil, é que os envolvidos estejam de bem com as feridas, com a bagagem recebida, com as bênçãos de seus pais.

A segunda condição apresentada por Prajnanpad é a de que os parceiros não sejam de natureza completamente incompatível. Isto quer dizer, por exemplo, que se um é judeu e o outro é muçulmano a relação se torna difícil. Se um tem 60 anos e o outro tem 25 anos, também é difícil. Isto não quer dizer que não seja possível. As pessoas tendem a formar casais em contextos sociais relativamente similares ou conhecidos ainda que hoje em dia em um mundo globalizado também existam casais que se formam à distância e isso também tem as suas próprias peculiaridades.

A outra condição é que sejam companheiros. Isso significa que se acompanhem, pois todos nós precisamos ter a sensação de pertencimento, precisamos de companhia, calor, alguém com quem compartilhar o caminho da vida na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, no riso e no pranto. Na realidade, um casal funciona muito bem quando tem muitas dimensões: o amor erótico, o amor admirativo, o amor compassivo, o amor jubilado, o amor fraterno, o amor amistoso também. Quanto mais dimensões de amor, melhor funciona, e isso é o que gera o verdadeiro companheirismo.

A próxima condição é que haja confiança. Sem confiança não é possível a existência do casal. Muitos casais seguem repletos de desconfiança porque a trazem do passado e começam a enxergar o parceiro como um inimigo, começam a brigar e a esperar do outro que venha algo mau dele ao invés de algo bom. Com isso se instala a inimizade. Se um casal é inimigo, perde-se a confiança e isso é muito perigoso e muitas vezes não tem volta.

A outra coisa que dizia Prajnanpad é a necessidade da existência de um desejo espontâneo de que o outro seja feliz. Quando se experimenta, no peito e no coração, o desejo de que o outro seja feliz, algo maravilhoso ocorre e o casal funciona muito bem. Mas, claro, isso se experimenta de forma mais natural com os filhos. Na situação de casal, é mais difícil. Às vezes, não sei por qual razão, levamos para o relacionamento todos os nossos assuntos pendentes da infância e nos falta, às vezes, desenvolver este lugar interior onde há grandeza, para que possamos ver o outro como grande também e desejar a ele toda a felicidade e não somente que nos faça felizes.

“Quando se experimenta, no peito e no coração, o desejo de que o outro seja feliz, algo maravilhoso ocorre e o casal funciona muito bem”

AD: O homem moderno vive hoje um momento paradoxal em relação ao seu papel, principalmente depois que a mulher começou a assumir diferentes papéis sociais. O que pensa sobre esta dinâmica?

JG: Vivemos tempos incertos. Hoje em dia prevalece o roteiro pessoal no lugar do script da comunidade. Todo mundo tem a oportunidade de criar o seu próprio modelo de vida e o seu próprio modelo de vida a dois. Isso significa dizer que temos uma grande liberdade e, ao mesmo tempo, isso nos torna muito inseguros, porque somos obrigados a nos escutar e a descobrir como queremos construir a nossa vida afetiva. Talvez seja difícil para o homem encontrar modelos que sejam úteis a ele e à mulher também. Isso também quer dizer que hoje em dia, por exemplo, há muitas mulheres aborrecidas com os homens e muitos homens que sentem culpa em relação às mulheres e isso os debilita. As mulheres estão amarguradas, mas em nome de suas mães e avós que viveram situações de injustiça com seus maridos e isso gera um ressentimento que as mulheres direcionam aos homens. Já os homens se sentem culpados em nome de seus pais e avôs. Então, isto, muitas vezes, se torna um campo de batalha onde se perpetua a guerra, onde se perpetuam as lutas de poder e é necessário que se faça um movimento de olhar para trás e respeitar e honrar o passado, para que o bom amor triunfe. O bom amor significa a orientação para viver a vida que está no futuro.

“As mulheres estão amarguradas, mas em nome de suas mães e avós que viveram situações de injustiça com seus maridos”

AD: Sobre o conto que está no livro “Onde Estão as Moedas?”, de onde veio a inspiração para escrever esta história? Teve algo relacionado com a observação de casos dos seus pacientes?

JG: Não. As histórias vão crescendo através de mim. E não crescem dentro de um processo fixo. Mas, imagine, como eu trabalho muito com grupos, começo a contar uma história e na próxima semana eu me lembro da história e a aumento um pouco, e depois a amplio mais, até que, afinal, se torna uma história como essa das moedas que é muito bonita e que tem feito bem a muitas pessoas. Esse conto torna muito fácil o entendimento do vínculo com os pais, e que foi uma história que se construiu praticamente sozinha. Pegar as moedas ou não pegá-las, de que maneira superar e encarar as feridas, nos catapulta para uma vida boa ou não. Uma vez, um astrólogo leu o meu mapa astral e me disse que eu deveria ser escritor, romancista, porque tenho uma mente “fabuladora”. Logo depois que ele disse isso, eu pensei que talvez ele estivesse certo. No entanto, ser escritor não é a minha profissão principal. Já escrevi alguns livros, mas é algo que vai paralelo ao meu trabalho terapêutico. Além disso, descobri que através dos livros é possível que se transmita muita coisa que pode beneficiar a muita gente.

AD: Falando sobre livros, está escrevendo algo no momento?

JG: Com os livros acontece o mesmo que descrevi com os contos. Eles vão crescendo dentro de mim. Publiquei um livro, há alguns meses, chamado “La Llave de la Buena Vida”, mas não sei quando vai ser publicado no Brasil. A editora Planeta, daqui, publicou faz pouco “O Amor que Faz Bem”, então acho que levará um tempo até que lancem o próximo. Depois desse último livro, pensei que era hora de descansar um tempo. Mas, não é algo fixo, porque mesmo que queira descansar, as ideias vão surgindo. Estão surgindo algumas ideias novas, então, eu me limito a fazer anotações. Algumas estão escritas, outras estão gravadas … É como se o livro estivesse sendo criado aqui dentro. E, em algum momento, quando eu o tiver mais claro, vou dar forma a ele.

AD: Como foi que começou a trabalhar com Psicologia? O que aconteceu na sua vida para que se decidisse por este caminho?

JG: Eu acredito que a vida, em alguns momentos, nos coloca diante das situações. Os caminhos simplesmente se abrem… Eu estudei Direito. No terceiro ano de faculdade, tive uma crise e aí me dei conta de que não queria ser advogado. Não sabia o que fazer. Tive alguns anos em que não fiz nada em termos profissionais, o que fazia eram coisas de teatro, artísticas, criativas. Nesse momento, o ser humano e suas vivências eram assuntos que me interessava. A partir daí fui parar em um grupo de aperfeiçoamento pessoal, conheci as terapias humanistas, fui participando de grupos e aí a ideia foi se formando… Em um momento específico decidi que o que eu ia fazer da vida era, pois, ser psicólogo. Então, comecei a frequentar a universidade e me formei. Mas as aprendizagens principais não aprendi na universidade. O essencial para trabalhar com pessoas eu aprendi fora dali.

Eu sempre digo que a vida dará o seu jeito para que nos coloquemos em nosso caminho. No meu caso, tive uma crise com o Direito e isso foi bom, porque eu não sei se eu realmente teria sido um bom advogado. Talvez eu até fosse rico, mas não estaria tão feliz. Seja como for, acredito que encontrei a minha verdadeira vocação. Há pessoas que têm uma vocação e esta é uma bênção e, ao mesmo tempo, uma escravidão porque são praticamente obrigadas a segui-la. E há pessoas que não têm a bênção de uma vocação concreta, mas são livres para fazerem muitas coisas. Isto foi algo que eu li em um livro do Dalai-Lama, um dos melhores livros que já li sobre temas organizacionais e empresariais, que se chama “A Arte da Felicidade no Trabalho”.

Então, a felicidade no trabalho também está relacionada a encontrar o próprio caminho, reconhecer o que cada um tem para dar, e dá-lo. Mas, a vida vai sempre nos surpreendendo, nos alterando, e vamos tendo encontros providenciais que nos ensinam, nos reorientam. Um encontro providencial, por exemplo, é o que tive com Claudio [Naranjo], que ainda é meu mestre e com quem estou sempre aprendendo muitas coisas. Também foi providencial o momento em que Bert Hellinger veio para a Espanha através do Instituto Gestalt em Barcelona, o que propiciou que um outro caminho fosse aberto para nós.

“As aprendizagens principais não aprendi na universidade. O essencial para trabalhar com pessoas eu aprendi fora dali.”

AD: Quem é Joan para além do psicólogo e do escritor?

JG: Não sei [longa pausa]. Há muitas coisas que me importam na vida, como os amigos, a família, os filhos. Todos nós temos muitas identidades. Eu tenho a identidade de psicólogo, de terapeuta, de escritor, de pai, de amigo, de filho, de irmão e tantas outras. Acredito que a pessoa usa um espelho e ali vão sendo desenhadas muitas formas, identidades e papéis a serem desempenhados na vida. Mas, creio que há algo de espiritual em todos. Não somente os papéis sociais, a personalidade, senão uma essência mais vazia, mais leve.

Porque, em definitivo, tudo morre. Todos os papéis sociais vão acabar. A pessoa os faz por um tempo, há o êxito, mas logo isso muda. Como quando um amigo morre, ou mesmo quando alguém tem um esposo, mas depois se divorcia. Tudo está em movimento e, ao mesmo tempo, há um ser que é eterno, que é uma vibração, um silêncio. Não sei muito bem o que responder para você. A única coisa é que penso em quem eu sou em termos espirituais. Não sei o que sou. Eu gostaria de sentir a vibração do próprio Ser. Não importa se como jardineiro, como agricultor, como terapeuta, mas sentir a vibração do Ser que não tem uma identidade fixa.

AD: Como é a sua relação com o futuro? O que se vê fazendo em cinco ou dez anos?

JG: Não faz muito tempo, fizeram uma entrevista comigo e me perguntaram o que eu queria ser. Gostaria de não desejar ser diferente do que eu sou a cada momento. Mas, esta é uma resposta profunda. Mas no futuro, o que eu gostaria de fazer… bom, eu não sei.

AD: Não pensa sobre isto?

JG: Toda vez em que faço um imaginário do futuro, eu me vejo mais luminoso, mas não sei exatamente o que estarei fazendo. Somente sei que estarei em contato com pessoas, de maneira terapêutica. Eu também gosto muito da natureza. E acredito que estarei me divertindo. À medida que vamos envelhecendo, pelo menos no meu caso, vai ficando cada vez maior a capacidade para aproveitar cada momento, para viver as coisas que a vida nos traz, sem tantos planos, sem tanto desejo de conquistar nada. No livro, escrevi que há pessoas que passam a metade da vida escalando até o alto da montanha, uma montanha pessoal (seja qual for), e quando chega lá no alto da montanha diz: “Afinal, eu cheguei!” E aí escuta a voz do Universo: “E quem está preocupado com isso?” E então é o momento de descer a montanha. E é o que tememos, as perdas. Aliás, este é o tema do meu último livro: as perdas. Agora que é preciso descer a montanha, ao invés de sentir que algo foi perdido, o ideal é que se sinta mais livre, pelo menos com menos bagagem.

A vida, assim, parece se tornar mais colorida. Uma vez que a pessoa se torna mais madura, se torna mais criança também. No sentido de que pode desfrutar a vida. Assim que, quando eu olho para o futuro, espero que eu esteja aproveitando e me assombrando a cada momento com muitas coisas. Mais, eu não sei. E quem sabe? Na vida, uma pessoa pode morrer a qualquer momento.

“À medida que vamos envelhecendo, vai ficando cada vez maior a capacidade para aproveitar cada momento, para viver as coisas que a vida nos traz.”

AD: O que pensa a respeito da mistura de conhecimentos de outras áreas que alguns terapeutas tem feito na hora de abrir um campo de Constelação?

JG: Eu acredito que essa mistura é inevitável. Nós temos uma mente criativa, uma mente eclética, e muita gente tende a integrar coisas. E, sempre que isso seja feito com um espírito criativo e com um espírito de verdadeira ajuda e serviço aos outros, é algo muito honrável. Devo dizer também que às vezes prevalece o sentido comercial ao sentido da ajuda e uma pessoa trata de criar a sua própria combinação pensando que desta maneira, comercialmente, será melhor, e não tanto pensando se é um bom método ou não, se é uma boa maneira de trabalhar para o bem das pessoas. Hellinger integrou muitas coisas. Ele estudou análise transacional, psicanálise, dinâmica de grupos, terapia Gestalt, terapias sistêmicas e hipnoterapia. Então, o que ele criou não vem do nada. Há muitas raízes por trás. No final, todo núcleo de ajuda precisa lidar com os assuntos do coração, os assuntos existenciais, e estimular a nos entregar à vida. Esses são os assuntos chave.
AD: Você tem um trabalho com Eneagrama e Gestalt. Gostaria de saber como utiliza essas ferramentas em seu trabalho com as Constelações Familiares.

JG: Uma pessoa come laranjas e maçãs e elas se tornam nutrientes e por isso a pessoa vive. Mas, não saberia dizer se a pessoa vive com as laranjas ou com as maçãs. Isso significa dizer que tenho muitos anos no mundo da terapia e da ajuda e aprendi e ensinei muitos métodos, entre eles, Gestalt, Programação Neurolinguística e trabalhos corporais. Sou um discípulo de Claudio Naranjo, que é a pessoa que desenvolveu o Eneagrama. Assim, quando trabalho com Constelação, utilizo tudo. Em alguns momentos, coloco mais ênfase em aspectos da Gestalt relacionados ao momento presente. Mas eu não o faço de maneira consciente. Na realidade, eu não tenho protocolos de trabalho, exceto me abrir ao momento presente e ao encontro com a outra pessoa para gerar uma experiência que clarifique os assuntos de sua vida, que ofereça recursos ou sua própria cura.

AD: Qual é a aprendizagem que você levou do seminário em Curitiba [realizado em novembro de 2014]?

JG: Eu já estive muitas vezes no Brasil, mas os brasileiros são intensos aqui em Curitiba. Este seminário foi muito intenso. Também foi muito enriquecedor, porque falamos sobre os grandes temas da vida: a morte, a felicidade, o relacionamento a dois, o desamor. Houve trabalhos em que surgiram histórias de violência, de assassinatos. Foi tudo muito enriquecedor. A vida tem todas essas formas e aqui em Curitiba isso também se mostrou. Eu também estou feliz porque as pessoas estavam completamente entregues, muito abertas, muito receptivas. E eu fiquei muito feliz por ser tão bem recebido aqui.

AD: E qual é a mensagem que gostaria de deixar para os brasileiros?

JG: Que da próxima vez que eu estiver aqui, que também me levem para passear, para me divertir, não somente trabalhar. Que me levem à praia, às águas quentes. Isto que acabo de falar é um pouco frívolo, um pouco egoísta [risos]. Não sei. Minha mensagem para todos é:

“Vivamos, sejamos felizes, porque o nosso tempo pessoal na Terra é limitado e vale a pena aproveitá-lo bem.”

Matéria publicada originalmente no site www.aliceduarte.com

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Sofrer não é fácil

“Sofrer não é tão fácil. Requer saber como. Como um presente, anterior à racionalidade, o sofrimento não forma parte de nossa natureza profunda. Nela praticamos a adesão incondicional ao que é, tal e como é, a cada momento. Assim é nosso ser mais íntimo e nossa natureza genuína. Você tem lembranças deste paraíso na tua infância? Você deseja progredir novamente na direção deste centro esquecido?

Que conste que não falamos aqui da dor, que logicamente forma parte da paisagem da vida, e requer nossa adesão para não ser transformada em sofrimento. Si tivéssemos que falar em poucas palavras em que consiste a Terapia Gestalt poderíamos responder assim: a prática da adesão ao que a vida nos traz a cada momento, tanto fora de nós como na forma de vivências e sentimentos internos. Tomados por uma atitude e um espírito que dribla as rejeições da mente e acolhe tudo. Quando? Agora. Onde? Aqui.

Chega a confusão. A acolhemos. Chega a clareza e também a acolhemos. Assim como a tristeza, a alegria, a ternura, o medo, a bravura, este ou outro pensamento, a inveja, a vingança, o desejo de apartar algo, e muito especialmente tudo aquilo que achamos desagradável, e acolhemos tudo, abraçamos tudo, incluso nossa sensação ou ideia de que algo é desagradável. Não existe bom e ruim, nem positivo nem negativo, que são simplesmente criações e categorias da racionalidade. Tudo é experiência. Somos uma festa sagrada, um carrossel cheio de formas e cores, em constante movimento.

Mas na verdade, tanto como somos festa, somos quem festeja. E quem festeja ama porque é o seu dom.

Tem aqui uma fórmula para sofrer: alguma coisa acontece e eu não quero que aconteça, e alguma coisa não ocorre e quero que ocorra. Simples. Nas palavras de Buda: “Estar longe do que amo ou perto do que eu rejeito é sofrimento”.

Quer dizer, me oponho ao que está ocorrendo, agora dentro de mim, agora fora de mim, no meu trabalho, no meu casamento, com meus filhos, na minha vida. Agora.

Por outro lado, é lógico e nos faz mais fortes querer mudar o possível que está por vir, e que seja diferente amanhã. Também acolheremos nosso desejo de modificar a realidade para que chegue mais perto dos nossos desejos e valores. Porque não? É um convidado maravilhoso da festa sagrada de nossa vida.

Mas para sofrer é requerida a presença de uma personagem e de uma voz dentro de nós que insiste no que já está sendo: ‘Deveria ser de outra forma, proclama. E a continuação precisamos acreditar nela como uma verdade (já que a personagem sempre encontra um sólido argumento), não como uma experiência mais. E nos torturamos por isto.

Gosto de acreditar que a realidade nos convida como seus discípulos, e parece que ela gosta de se vingar de nossas ilusões. Então, todo sofrimento começa pela palavra: ‘Deveria’, ‘Teria que’, ‘Poderia’, etc. Por isto na Terapia Gestalt, tentamos de confrontar os ‘deveria’ e mostrar o contraste como os ‘quero, sinto e sou’.

A Terapia Gestalt é um convite para ir além de nossas ilusões e ideologias para chegar na realidade e na verdade a cada momento, um convite a questionar nossas falsidades e artifícios, a ir além de ser pessoas ideais para chegarmos a ser pessoas reais. Isto quer dizer, perfeitamente imperfeitas. Ai reside o super-homem nietzcheano.

Abre os teus olhos e comemora a vida, e se os personagens que você acredita ser não te permitem este movimento, apropria-te do privilegio de não levá-los tão a sério, e em troca tenta sentir um silêncio vibrante no centro de teu peito. Ali mora quem comemora a festa, quem não se opõe a nada, nem adere a nada mais do que àquilo que é. Quando? Agora. Como? Com amor”.

Por Joan Garriga

Publicado no Blog do Institut Gestalt em 12/07 – Tradução Natalia M. H. Kopacheski

http://www.institutgestalt.com/blog

A dor da ruptura

“Mesmo nos casos em que se sente uma grande libertação por sair de uma situação insatisfatória, se houve uma genuína conexão, cedo ou tarde a face da dor vai aparecer, por deixar o conhecido, aquilo que se amou, e a incerteza e o medo de enfrentar algo novo; ainda mais quando o casal tem filhos e seu status quo cotidiano cai por terra. A vivência da dor é um ingrediente necessário para completar o processo com sucesso e ser capaz de recriar um futuro” (Trecho extraído do livro: “O amor que faz bem – Quando um e um somam mais que dois”, Joan Garriga, 2014)

Culpa e inocência

“No relacionamento afetivo não há culpados nem inocentes, e sim danças compartilhadas, engrenagens sistêmicas que nos levam a assumir certas posições ou condutas. Não há justos e injustos, só lealdades para com nossos ancestrais que nos induzem a repetir padrões. Muitas pessoas sofrem no relacionamento afetivo pelo fato de assumir a culpa e os erros, livrando a cara do companheiro, que respira aliviado com sua inocência e não tem que enfrentar a si mesmo. E, ao contrário, há pessoas que culpam desesperadamente o outro para salvar sua dignidade e se estendem em sua raiva fazendo todos os males recaírem sobre o companheiro. Nada disso serve, nem entoar o mea culpa nem o sua culpa. Nem culpar, nem se culpar. O que ajuda é entender nossa coparticipação nos resultados e nos responsabilizarmos por eles, e, se possível, nos flexibilizarmos e desenvolvermos opções novas que possam mudar o status quo do relacionamento”

(Trecho extraído do livro: “O amor que nos faz bem – Quando um e um somam mais que dois”, Joan Garriga, 2014)

 

A boa ruptura

“Acho que é uma regra útil na vida prestar atenção para que as coisas não apodreçam dentro de nós e não vivamos cercados de assuntos pendentes e irritações que consomem nossa atenção e energia. Como recomenda a terapia Gestalt, é melhor expressar o não expresso, dizer o não dito, viver o não vivido, processar o não processado, fechar o não fechado, e que nossas veias relacionais estejam bem ventiladas. Desse modo a energia fica livre do passado e se orienta para o futuro, e o presente estrito se torna assombrosamente mais presente”

(Trecho extraído do livro: “O amor que nos faz bem – Quando um e um somam mais que dois”, Joan Garriga, 2014)

Quando o amor não é suficiente

“Conta uma fábula sufi que um jovem chamado Nasrudin chegou a aldeia depois de muitas horas de travessia por caminhos empoeirados. Estava com calor e sedento. Encontrou o mercado e ali viu umas frutas vermelhas desconhecidas, mas aparentemente deliciosas e suculentas. Ficou com água na boca. Foi tanto seu júbilo que comprou cinco quilos. Procurou a sombra de uma boa árvore em uma rua tranquila e começou a comer as frutas. À medida que comia, sentia um calor mais e mais intenso no rosto e no resto do corpo. Começou a suar copiosamente, e seu rosto e sua pele ficaram de um vermelho vivo. Mas ele continuou comendo. Uma pessoa passou a seu lado e, surpresa, perguntou: -Por que está comendo tanta pimenta com este calor tão terrível? E Nasrudin respondeu: – Não estou comendo pimenta, estou comendo meu investimento.

Com freqüência as pessoas comem seu ‘investimento’ no relacionamento, mesmo que caia mal, mesmo que a relação seja equivocada ou desvitalizante. Entretanto, o mais prudente e positivo pode ser abandonar o empenho, saber soltar-se, depor as armas, reconhecer os sinais de tensão no corpo quando o que vivemos não nos causa mais satisfação nem nutre o(a) parceiro(a).

(Texto extraído do livro: “O amor que nos faz bem – Quando um e um somam mais que dois”, Joan Garriga, 2014)

Você sabe o que são as Constelações Familiares?

As Constelações Familiares não são um manual de instruções sobre o que fazer no relacionamento, nem uma terapia comportamental, com protocolos específicos. O que fazem é trazer à luz e mostrar os movimentos do coração, com suas amarras e extensões, e buscar a libertação desfazendo dores afetivas. São uma metodologia privilegiada para analisar nossa rede de vínculos em um sentido amplo e observar as lealdades para com assuntos passados que nos proporcionam prosperidade, que nos sustentam; ou com assuntos que não foram resolvidos e que nos enfraquecem, e solucioná-los. São importantes os modelos de relacionamento anteriores, as implicações entre gerações, as atmosferas em que se desenrolam, os destinos que se repetem, as energias que nos movem. Porque uma família, uma rede de amores e de vínculos, atua como se fosse um bando de pássaros com uma mente coletiva, mas também como um livro de contas coletivo e um senso de justiça coletivo, que devemos compreender. Assim as vezes encontramos, por exemplo, e infelizmente, um neto que quer saldar as contas de seu avô, e dessa forma rompe a ordem familiar, que determina que os descendentes não devem cuidar dos assuntos dos antecessores. É óbvio que as Constelações Familiares são uma ferramenta muito poderosa e humilde para obter mudanças, e felizmente se complementam muito bem com a maioria das outras abordagens de ajuda, terapia e coaching. As Constelações atuam nas energias profundas e na dimensão dos vínculos, mas com frequência também é necessário realizar aprendizagens e desenvolvimentos novos que precisam de outro tipo de ajuda, centrada no nível das crenças, capacidades e comportamentos.

(Trecho extraído do livro: “O amor que nos faz bem – Quando um e um somam mais que dois, Joan Garriga, 2014)