O poder nos relacionamentos
Para que as coisas circulem sobre os trilhos do amor que nos faz bem, nenhum dos dois deve sentir que tem poder sobre o outro, mas deve contribuir para que o outro alcance o máximo poder em si mesmo. A realidade, não obstante, é que os dois membros do casal com freqüência se envolvam em lutas de poder que minam a relação. De fora, quase sempre parece que o homem é o mais forte. Contudo, muitas mulheres, no íntimo, julgam-se melhores que seu companheiro. Não se pode generalizar, claro, mas me consta que isso acontece com freqüência. E, quando falta entre os dois o verdadeiro respeito, a relação começa a ser desigual e mais competitiva que cooperativa, rompe-se a franqueza e a felicidade do vínculo profundo, mesmo que o relacionamento perdure.
Tanto homens quanto mulheres podem tentar imaginar se seriam capazes de inclinar a cabeça, suavemente e de coração, perante o(a) companheiro(a), e viver isso como um gesto de reconhecimento e respeito a sua existência e sua realidade, e não como uma humilhação e uma derrota. É possível? Fugindo de preconceitos e ideologias, o que encontro em minha experiência real nos workshops é que as pessoas que lutam e competem vivem isso como impossível, ao passo que as que sentem amor e consideração por seu(sua) parceiro(a) experimentam-no como alegria, beleza e liberdade.
Há outro exercício interessante: olharmos para o(a) parceiro(a) e nos perguntarmos , de forma nua, crua e verdadeira, se nos sentimos superiores, iguais ou inferiores. Não em uma área determinada, não no atletismo ou no sudoku, não na culinária ou jardinagem, mas sim no essencial, no mais íntimo de nossa verdade interna. Propus esse exercício aos presentes em um workshop, e, curiosamente, contra o que se poderia esperar, mais mulheres se sentem melhores que os homens. Sei que isso pode ser polêmico, mas é o que diz minha experiência: muitas mulheres se sentem melhores, algumas se sentem iguais e só algumas se sentem piores. Com os homens é o contrário: só alguns poucos se sentem, na realidade, melhores que a companheira, muitos se sentem iguais e muitos se sentem piores.
Acredito que o homem, no íntimo, tem ciência do poder da mulher, do poder afetivo, do poder que lhe dá a maternidade, de sua intimidade emocional, de como sabe se mover em termos de comunicação, relação e vida, ou seja, nos assuntos essenciais. Talvez por isso o homem tenha dominado o poder econômico ou político, porque estava assustado com sua ignorância nos assuntos emocionais e analógicos. Até agora nos diziam que a mulher só tinha o poder dos sentimentos, mas acontece que são justamente os sentimentos que movem o mundo, inclusive o mundo dos poderes econômico e político.
Seja como for, é conveniente estendermos o olhar, de um modo mais amplo, para o fato de que tanto homens quanto mulheres são afetados por um mal maior, por uma praga emocional de maior alcance que nos mantém doentes em nossa humanidade, que vem da expulsão do paraíso comunitário e tribal de nossos antepassados caçadores-coletores, para passar à mente patriarcal na qual estamos culturalmente submersos, e que quase confundimos com nossa natureza, na qual o outro já não é um irmão, e sim um inimigo. Vivemos mergulhados em um paradigma competitivo que julgamos natural, infectados como estamos pela grande importância do eu pessoal. […]
O verdadeiro poder está em se afirmar na realidade de si mesmo, não em se sentir superior a outra pessoa ou em domina-la física ou psicologicamente. Experimentamos o próprio poder quando nos enraizamos e nos reconhecemos em nossa experiência real, a cada momento e lugar; quando estamos em conformidade com nossa realidade, com nossos sentimentos, problemas, alegrias, vivências, pensamentos, contradições, necessidades; com nosso lugar de origem, cultura, família, lutas; com nossos desejos de mudar aquilo de que não gostamos ou aquilo que sentimos como injustiça etc., ou seja, quando estamos em sintonia com nossa realidade tal como ela é a cada instante, e a administramos com respeito por nós mesmos e pelos outros.
Trecho extraído do livro: “O Amor que nos faz bem: Quando um e um somam mais que dois” de Joan Garriga Bacardi
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!