É a relação de casal um bom lugar para procurar a felicidade?
Felicidade, amor e ordem no casal
Joan Garriga – Junho 2005
Como seres humanos estamos obrigados a cuidar de nós mesmos ao longo de nossa vida, a nós conduzir segundo a direção e o sopro de nossos valores e do nosso espírito e a procurar este desejado graal que chamamos de felicidade.
Se fala que a riqueza não traz a felicidade mas por desgraça somente os ricos sabem disso. O mesmo ocorre com o poder, a fama, ou com qualquer outro assunto no qual a gente coloca as nossas fichas. É especificamente humano procurar a felicidade e ainda mais específico procurar por ela nos lugares errados. A sabedoria e a coragem consistem em assumir os erros em vez de persistir neles, em desandar caminhos que se mostram infrutíferos e se reorientar de novo na direção do essêncial.
A pergunta relevante é: a relação de casal é um bom lugar para procurar a felicidade? A resposta é sim e não ao mesmo tempo. Sim porque é sabido que na relação com vínculos estáveis, confiáveis e carinhosos as pessoas se sentem melhor e inclusive vivem mais. Não porque o vínculo de casal obriga seus membros a importantes ajustes no seu ego pessoal, nas suas lealdades familiares e nos seus estilos afetivos.
Qualquer psicoterapeuta com experiência viu desfilar no seu consultório pessoas ou casais frustrados, doloridos e desorientados pelos seus desafios na relação. Hoje em dia se fala de “monogamia sequencial” o que significa que é muito provável que ao longo de nossa vida venhamos a ter dois, três ou quatro relações estáveis com um custo emocional alto pelo processo de criar vínculos e de soltá-los quando termina o caminho em comum.
Tudo tem um final pelo simples fato de ter tido um começo. A relação de casal também, as vezes com a morte de um dos membros, as vezes muito antes. Tudo está sujeito a transitoriedade e tudo o que adquire uma forma se desvanece em algum momento. Talvez a felicidade esteja relacionada com a atitude de dançar alegremente com as formas que criamos ou que são criadas na nossa vida, independente de como elas sejam. Mais ou menos assim: está bem se acontece A mas também está bem se acontece B, mesmo que o meu desejo seja que acontecesse A.
A vida tem propósitos que nem sempre encaixam com nossos desejos pessoais. Encontramos a felicidade quando a vida atende os nossos desejos, ou quando nos subordinamos ao projeto da vida, ou quando ambos fatores, o que desejamos e o que acontece, podem ser aceitáveis para cada um? Que cada um responda e assuma sua resposta.
O aspecto afetivo nos toca profundamente e, frequentemente, nos deixa mais frágeis e vulneráveis do que gostaríamos. Quando trabalhamos com casais quase nunca se trata de um problema de falta de amor e sim de redirecionar as forças para que o crescimento e o bem-estar sejam permitidos. O método das constelações familiares aplicadas ao âmbito da relação de casal permite desvelar de forma rápida as dinâmicas que mantém as dificuldades e gerar os movimentos necessários para a transformação e a mudança na direção que seja adequada.
Também muitas pessoas que não estão numa relação de casal, mas desejam estar, podem encontrar um bom lugar a partir do qual se dirigir na direção do parceiro/a. Algumas das ideias chave que olhamos no trabalho são as seguintes.
A relação de casal é uma relação entre adultos e não materno ou paterno filial. Quando as demandas e expectativas com relação ao parceiro/a são grandes é necessário voltar o olhar na direção dos pais e revisar os assuntos pendentes e tomar deles o que pode ser tomado. As pessoas que conseguem restaurar o vínculo amoroso com as suas origens vão ao encontro de seu parceiro/a com expectativas mais razoáveis e adultas.
Para falar de forma simples, eles não agem mais como órfãos. A relação materno-filial se sustenta na desigualdade e no controle dos impulsos sexuais; por outro lado a relação de casal se sustenta na igualdade hierárquica e na entrega sexual.
Todas as pessoas temos crescido dentro de um marco relacional familiar no qual temos interiorizado e desenvolvido modelos e estilos afetivos que são naturais para nós e que estão a serviço de evitar a dor das feridas do coração e de preservar os vínculos. Temos estilos controladores, dependentes, sedutores, lacônicos, agressivos e um longo etcétera. Quando duas pessoas se juntam, põem em dança dois estilos afetivos que tendem a se complementar em beneficio do crescimento ou enfraquecimento mútuo, ou eles entram em colisão causando abruptos choques e mal-estar na relação. O que ajuda é que o casal desenvolva estilos afetivos e modos de troca que façam eles crescer e que lhes tragam um certo bem-estar. A troca negativa fortalece os vínculos, e as pessoas, mesmo que estejam expostas aos maus tratos, sentem uma enorme dificuldade de encarar o terror de perder o outro.
O amor não basta para que uma relação dê certo. Mesmo que muitos pensem que o amor é uma grande força e que pode contra tudo, na prática vemos que a ordem é uma força maior. Quando a ordem é respeitada o amor no casal se desenvolve com mais facilidade. A ordem consiste em dar prioridade para a relação de casal formada ou para a nova família formada perante os sistemas anteriores ou de origem.
Algumas pessoas permanecem tão amarradas nas suas famílias de origem que não conseguem ocupar verdadeiramente seu lugar de homem ou mulher ao lado de seu parceiro/a. Entre sistemas a ordem da a prioridade para o último sistema formado. Entre as pessoas a ordem é respeitada quando os posteriores não se intrometem nas questões dos anteriores. É muito comum encontrar filhos que se atribuem lugares que não lhes correspondem e se sentem os parceiros/as invisíveis de seu pai ou de sua mãe, ou se sentem pais de seus pais, etc. O que vemos é que os sistemas familiares se comportam como se tivessem uma mente comum e as pessoas se implicam com as cadeias de fatos fundamentais acontecidos, especialmente os derivados da sexualidade, da violência ou da morte e dos lutos. Ai onde os pais não foram felizes, ou houve irmãos doentes ou que faleceram cedo, ou tios que foram excluídos ou avós que sofreram na guerra por exemplo, geram-se atmosferas que mantém sua influência por várias gerações e faz que os que chegam posteriormente se impliquem e assumam sacrifícios e sofrimentos pensando que assim servem ao sistema.
O melhor presente que as pessoas podemos fazer ao nosso sistema e aos nossos pais é ter uma boa vida, proveitosa e realizada. Mas muito frequentemente o nosso coração infantil tenta ser leal aos nossos antepassados através da infelicidade.
Assim, as vezes um homem ou uma mulher não se conectam no lugar profundo ao lado de seu parceiro/a. Não tomam o seu lugar. Então é necessário revisar as imagens e as lealdades familiares interiorizadas e honrar as pessoas e os fatos tal como foram para poder deixá-los nos passado.
Também o casal tem a sua história e se expõe a vivências e fatos que potencialmente podem fortalecer ou debilitar. Nascimentos, doenças ou mortes dos filhos, abortos, desequilíbrios no intercâmbio sexual ou no dar e receber, limites e regras da relação com as famílias de origem ou as famílias anteriores, dificuldades econômicas, morte dos pais, etc., põem à prova a fortaleza e a capacidade do casal. Geralmente a solução consiste em saber levar juntos os acontecimentos difíceis em vez de se inclinar perigosamente* na direção da salvação ou do jeito pessoal de agir.
A patologia principal quando trabalhamos com casais e com famílias é o empenho que as pessoas colocam em dividir o mundo e os membros familiares em bons e ruins. De fato isto é a semente de todas as guerras. Algo se concerta e se reconcilia ou se constrói quando todos podem ser respeitados e podem preservar sua dignidade. Muitas pessoas sofrem no seu coração por sentir que um dois pais tem o lugar de bom e outro o lugar ruim e assim perpetuam a guerra interior.
Nos casais não existem bons e ruins e mesmo que cada pessoa possa encontrar os argumentos para justificar sua posição e prorrogar o seu sofrimento nada se consegue com a rejeição e a condenação. Simplesmente aquilo que rejeitamos nos persegue com mais força. Assim as vezes é preciso que a gente se entregue, que nos exponhamos aos sentimentos tanto furiosos como doloridos, ao soltar, ao reconhecer limites, e sempre podemos fazer isso através do amor e da responsabilidade, resistindo à humana tentação de repartir culpas nos demais, o que nos converte em juízes e portanto em vítimas de nossa falsa superioridade, ou de nos atribuir a culpa o que nos converte em orgulhosos e importantes demais, já que só os que acreditam ser tão importantes estocam culpas.
São muitos os assuntos que trazem ar fresco e alívio e novos caminhos para as pessoas e casais. Mas nunca devemos esquecer que não sabemos tudo, e que é necessário o espaço para o mistério. Como se falava na antiga Grécia, existe um projeto maior do qual não conhecemos todos os detalhes, e que nos subordina frequentemente de uma forma mais sábia do que reconheceríamos se tivéssemos a humildade suficiente.
Artigo: Felicidade, amor e ordem no casal, Joan Garriga, Junho 2005, Blog do Instituto Gestalt de Barcelona
Tradução livre autorizada em Maio 2018: M. Natalia M. H. Kopacheski
*(“escorarse” original no espanhol, verbo que representa a inclinação perigosa do barco para um dos lados)
Deixe uma resposta
Want to join the discussion?Feel free to contribute!