As roupas
“No século XV, viveu o monge mais famoso de todo o Japão, Ikkyu, filho ilegítimo do imperador. Quando o príncipe da província em que vivia decidiu dar uma grande festa, convidou Ikkyu, reservando-lhe um honroso lugar ao seu lado. No dia da festa, o monge apareceu humildemente vestido, quase como um mendigo, fazendo o príncipe se zangar e expulsá-lo da festa. Depois disso Ikkyu voltou vestindo ótimas roupas e, no palácio, foi tirando uma a uma e as deixando na cadeira. ‘O que está fazendo?’, perguntou o príncipe. ‘Havia entendido mal, pensei que tivesse me convidado e não convidado minhas roupas, assim estou as deixando aqui’, respondeu Ikkyu.
Se olhamos as roupas que simbolizam apenas formas, aparências, avatares, livretos que nos inspiram representar, destinos e caprichos, tanto como se olhamos além delas, para o mistério criativo, a pergunta relevante é: quem são os convidados à grande assembleia de nosso coração? Nesse sentido, estamos ainda a tempo de incluir aqueles que excluem nossas boas razões, que nossos sedutores argumentos afastam? Podemos convidar à mesa dos dignos aqueles que julgamos em nossa Alma Gregária, regida por su moral e leis? Aqueles que são ou foram esquecidos porque sua lembrança era vergonhosa ou árdua? Aqueles que acreditamos que se comportaram mal ou nos causaram dor? Nossa mente pequena, que costumamos identificar como nossa vontade, tenta negociar o mal-estar com o tentador recurso do afastamento e da solidão, separando o incômodo. Mas a Grande Alma conhece unicamente a matemática copulativa, que une e iguala.
Na Grande Alma todos os que são merecem ser queridos como são e como foram, exatamente assim. Em primeiro lugar nossos pais. Eles são os primeiros dos que são, quaisquer que sejam suas roupas e acessórios. A Grande Alma é o espaço do coração a coração, da estrita perfeição das coisas. Nela, somos Únicos.”
(Trecho extraído do livro “Viver na Alma, amar o que é, amar o que somos e amar os que são”, Joan Garriga, 2011)
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