Confiar em si mesmo

Confiar em si mesmo

Joan Garriga

Agosto 2007

Tradução M. Natalia M. H. Kopacheski em Julho 2016

Confiar em si mesmo consiste em saber, com mente, corpo e alma que algo é possível e merecido para nós. Mas a verdadeira confiança pode ser desfrutada somente na sua justa medida, no sutil equilíbrio da balança. Alguns, por exemplo padecem de déficit de confiança, e sabendo ou podendo mais do que acreditam, ficam curtos e cautos nas suas ações. Arriscam pouco, por debaixo do que são capazes. Entregam menos do que têm e não compartilham o que atesouram. Mais que humildes são cobardes e deveriam reconhecer sua grandeza maior. Outros pelo contrário, padecem excesso de confiança, e sabendo, ou podendo pouco sobre alguma coisa, se mascaram no alto de uma personagem inventada, e vão além de seus conhecimentos, capacidades e limites, vendendo gato por lebre, causando danos a outros e a si mesmos. Arriscam por cima do que podem e a realidade os confronta com sua verdade interior e os devolve aos seus limites. Devem aprender humildade. Por tanto, a tarefa consiste em saber com nitidez o que é possível e merecido para nós, matriz da confiança.

Na vida há momentos nos quais a maioria de nós podemos cair em estados de confusão e ver tudo preto, momentos em que somos assaltados pelas dúvidas sobre se conseguiremos aquilo que desejamos, ou se somos capazes de lograr aquilo que nos propomos ou chegar a ser o que queremos ser. Pensamentos negativos do tipo: “não vou ser capaz”, “não tenho as habilidades para conseguir o que me proponho” ou “não mereço” ou “não é possível para mim”.

As vezes acreditamos que não somos tão bons, inteligentes e dotados para chegar a conquistar nossas metas. Isto supondo que estejamos em um momento no qual sabemos o que queremos. São situações em que estamos em contato com o medo, ficando até paralisados, sem enfrentar a vida e duvidamos de nós mesmo.

Uma das causas profundas desta desconfiança é o conceito, muito arraigado em nossa cultura, de que as coisas estão bem ou estão mal, de que somos bons ou ruins. Quer dizer, dividimos o mundo entre o correto e o incorreto, e nos julgamos e condenamos a nós mesmos. Não nos permitimos ser o que somos, com todas nossas partes e não confiamos que nossa forma de fazer as coisas pode ser tão válida como qualquer outra. Ficamos exigentes falando que deveríamos ser de uma determinada forma, normalmente nos exigimos ser perfeitos. Em que consiste esta perfeição? Basicamente em que não temos que ter partes escuras, aquelas que consideramos negativas. Para alguns é não ser agressivos, nem medrosos, nem luxuriosos, para outros, é não ser débeis, nem frágeis; para a maioria é ser bondosos e querer aos demais. A realidade é que temos medo, ficamos bravos e nossas paixões e desejos nos arrastam as vezes, e que tem algumas coisas com as quais não podemos e outras que nos fazem sentir vulneráveis: Que fazemos com estas emoções e estas necessidades? As negamos e tentamos ocultar e reprimir, dizendo que já nunca mais vamos ser assim. Este é o erro que cometemos, em nosso interior sabemos que mesmo que as neguemos elas continuam lá, e nos sentimos incapazes e não confiamos em nós mesmos. Mesmo sabendo que isso forma parte de nós e que estamos fazendo muita força para reprimir certas atitudes. Sabemos que não somos como o ideal de perfeição que queremos ser e não confiamos em nós mesmos. Temos aprendido a nos perseguir e a não nos aceitar como somos. Ao nos alienar de nossa verdadeira realidade perdemos nossos pontos de apoio. A realidade é que somos um todo complexo de valores, atitudes e capacidades.

Desde a terapia Gestalt acreditamos que estamos formados por conjuntos de polaridades, quer dizer, de atitudes e capacidades que mesmo parecendo opostas, convivem dentro de nós e cumprem funções úteis. Eu sou agressivo e ao mesmo tempo passivo, sou amável e ao mesmo tempo desagradável, eu sou terno e simultaneamente frio. Quando não queremos assumir alguma destas qualidades, a negamos, então, começamos a desconfiar de nós mesmos. Se nos aceitamos tal e como somos, sabendo que essas características que temos podem ser úteis em algum momento, e que seguramente podem servir para nos adaptarmos melhor à realidade e aos diferentes contextos, então é mais fácil confiar em nós mesmos e em nossa naturaleza. Podemos ter consciência que partes nossas podem ser prejudiciais para nós e para os outros em algum momento, mas isso não significa, que neguemos que existem. Temos que aprender a canalizá-las para poder utilizá-las de forma adequada.

É comum em pessoas que não confiam em si mesmas, o fato de terem recebido mensagens muito contraditórios ou negativos, especialmente durante a infância. “Você é um peste”, “está possuído pelo diabo”. São frases que alguns clientes de terapia escutaram de seus pais quando eram crianças. Que tipo de conceito de si mesmos desenvolveram estes filhos? Primeiro, que tinham alguma coisa ruim em seu interior, e depois, que fora deles reside um poder que os julga, que sabe qual é o bem e o mal. Como podem confiar estas pessoas em si mesmas quando adultas? Será bastante difícil. Se seus pais não confiaram neles, como vão poder confiar em si mesmos? Com sorte, a posteriori a vida lhes dará de presente experiências nas quais poderão se sentir validados, ou encontros com pessoas construtivas através das quais poderão mudar seus valores interiores.

Outras vezes a perda de confiança não tem a ver com ter recebido mensagens pejorativas, pelo contrário, pode ter a ver com ter vivenciado mensagens de excessiva e irreal valoração, do tipo “você é o melhor em todo”, ou bem de sutil infra valoração, ao impedir as próprias experiências ou ter evitado o enfrentamento com obstáculos que poderiam ter fortalecido a criança. Por exemplo, podem ter sido sobre protegidos. Ou talvez não lhes tenha sido permitido realizar a maior parte das tarefas, que foram feitas por eles, com a melhor boa vontade, para que não tivessem que se esforçar ou para que não tivessem que sofrer. Neste caso também pode se construir a ideia de si mesmo como incapaz. Frases como “não sobe…”, “não corre…”, “fica comigo e nada te acontecerá…”, “não faça as coisas sozinho, você precisa de mim…”, “cuidado, você irá se machucar…”, etc., são frases que fazem que quem as escuta, construa um conceito pessimista e de incapacidade. Quando superprotegemos, sem perceber, podemos apontar no outro sua incapacidade de resolver uma situação. Não nos arriscamos a que o outro possa ver até onde é capaz de realizar, para aprender tanto do sucesso como do fracasso. De fato, perante os fracassos, muitas crianças costumam tentar uma e outra vez até conseguir. Para aprender e preciso experimentar, para confiar tem que se saber enfrentar tanto o sucesso como o fracasso e saber gerenciar as situações de ganho, assim como as de perda, pois de ambas a vida nos proverá.

Joan Garriga

 

0 respostas

Deixe uma resposta

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *