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Ele tem uma fala serena, bem pausada. Possui um jeito carinhoso e precavido com as palavras. Esse terapeuta e escritor por vocação reúne ainda os talentos dos bons comunicadores: clareza, objetividade e poder de síntese. Não importa se está escrevendo um livro, dando uma palestra ou uma rápida entrevista, você vai observar essas três habilidades.
Garriga foi o introdutor da Constelação Familiar na Espanha – em 1999 convidou o alemão Bert Hellinger, criador da técnica, a apresentar esse trabalho no Institut Gestalt de Barcelona, entidade criada por ele em 1986, onde atua como terapeuta e formador de Constelação Familiar. Autor de best-sellers em seu país, como “Dónde Están las Monedas?” (2006) e “Vivir en el Alma” (2008), ele é hoje um dos principais expoentes dessa terapia na Espanha e nos países de língua espanhola.
Na sua última vinda ao Brasil para dar um workshop, realizado no ano passado na Região Metropolitana de Curitiba pelo Luz do Ser Soluções Sistêmicas, Garriga teve a gentileza de me conceder esta entrevista (conversamos por cerca de 40 minutos). Ele falou de seu último livro lançado no Brasil, “O Amor Que Nos Faz Bem”, e o que aprendeu nos últimos 15 anos de trabalho com casais, ajudando-os a encontrar saúde e harmonia nos relacionamentos.
Alice Duarte: Qual é a sua principal mensagem às pessoas que procuram o “amor que faz bem” em seus relacionamentos?
Joan Garriga: Deixar uma mensagem reduzida não é tão fácil quanto parece, é um mundo muito complexo. No meu livro “O Amor Que Nos Faz Bem” explico tudo o que eu aprendi em 15 anos de trabalho com pessoas e com casais sobre assuntos de relacionamento. É possível que o essencial seja ter expectativas razoáveis do que a vida a dois pode nos oferecer. Além disso, o que eu vejo na prática terapêutica com as pessoas é que o passaporte principal para que tenhamos sucesso como um casal tem muita relação com estar de acordo com os próprios pais. Muitas vezes, levamos para o próprio relacionamento assuntos não resolvidos com os nossos pais ou temos a expectativa de encontrarmos no nosso parceiro aquilo que não encontramos em nossos pais. Esse processo acontece através de uma linguagem sutil, às vezes soterrada, escondida, pouco evidente, e exige que seja retirada e exposta à luz, e este trabalho é necessário para sentir-se bem. Na realidade, o relacionamento a dois é a fonte da vida, a origem da vida. Do bem-estar do casal depende também o bem-estar dos filhos por várias gerações.
AD: Em seu livro você cita cinco condições para que um casal dê certo…
JG: Coloquei no livro, mas não é uma criação minha. É algo que eu li de um mestre hindu que se chamava Svami Prajnanpad. Ele dizia que, para que um casal dê certo, são necessários cinco ingredientes. O primeiro deles é que seja fácil, que flua com facilidade, sem muita turbulência, sem grandes explosões emocionais. De fato, que seja fácil significa que não são duas crianças, são dois adultos. Um casal é uma relação entre adultos, uma relação de igualdade. Ao formarmos um casal, nós nos despedimos da infância. Às vezes, um se apresenta como criança e o outro como adulto. Mas, como eu mencionei antes, o importante, para que seja fácil, é que os envolvidos estejam de bem com as feridas, com a bagagem recebida, com as bênçãos de seus pais.
A segunda condição apresentada por Prajnanpad é a de que os parceiros não sejam de natureza completamente incompatível. Isto quer dizer, por exemplo, que se um é judeu e o outro é muçulmano a relação se torna difícil. Se um tem 60 anos e o outro tem 25 anos, também é difícil. Isto não quer dizer que não seja possível. As pessoas tendem a formar casais em contextos sociais relativamente similares ou conhecidos ainda que hoje em dia em um mundo globalizado também existam casais que se formam à distância e isso também tem as suas próprias peculiaridades.
A outra condição é que sejam companheiros. Isso significa que se acompanhem, pois todos nós precisamos ter a sensação de pertencimento, precisamos de companhia, calor, alguém com quem compartilhar o caminho da vida na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, no riso e no pranto. Na realidade, um casal funciona muito bem quando tem muitas dimensões: o amor erótico, o amor admirativo, o amor compassivo, o amor jubilado, o amor fraterno, o amor amistoso também. Quanto mais dimensões de amor, melhor funciona, e isso é o que gera o verdadeiro companheirismo.
A próxima condição é que haja confiança. Sem confiança não é possível a existência do casal. Muitos casais seguem repletos de desconfiança porque a trazem do passado e começam a enxergar o parceiro como um inimigo, começam a brigar e a esperar do outro que venha algo mau dele ao invés de algo bom. Com isso se instala a inimizade. Se um casal é inimigo, perde-se a confiança e isso é muito perigoso e muitas vezes não tem volta.
A outra coisa que dizia Prajnanpad é a necessidade da existência de um desejo espontâneo de que o outro seja feliz. Quando se experimenta, no peito e no coração, o desejo de que o outro seja feliz, algo maravilhoso ocorre e o casal funciona muito bem. Mas, claro, isso se experimenta de forma mais natural com os filhos. Na situação de casal, é mais difícil. Às vezes, não sei por qual razão, levamos para o relacionamento todos os nossos assuntos pendentes da infância e nos falta, às vezes, desenvolver este lugar interior onde há grandeza, para que possamos ver o outro como grande também e desejar a ele toda a felicidade e não somente que nos faça felizes.
“Quando se experimenta, no peito e no coração, o desejo de que o outro seja feliz, algo maravilhoso ocorre e o casal funciona muito bem”
AD: O homem moderno vive hoje um momento paradoxal em relação ao seu papel, principalmente depois que a mulher começou a assumir diferentes papéis sociais. O que pensa sobre esta dinâmica?
JG: Vivemos tempos incertos. Hoje em dia prevalece o roteiro pessoal no lugar do script da comunidade. Todo mundo tem a oportunidade de criar o seu próprio modelo de vida e o seu próprio modelo de vida a dois. Isso significa dizer que temos uma grande liberdade e, ao mesmo tempo, isso nos torna muito inseguros, porque somos obrigados a nos escutar e a descobrir como queremos construir a nossa vida afetiva. Talvez seja difícil para o homem encontrar modelos que sejam úteis a ele e à mulher também. Isso também quer dizer que hoje em dia, por exemplo, há muitas mulheres aborrecidas com os homens e muitos homens que sentem culpa em relação às mulheres e isso os debilita. As mulheres estão amarguradas, mas em nome de suas mães e avós que viveram situações de injustiça com seus maridos e isso gera um ressentimento que as mulheres direcionam aos homens. Já os homens se sentem culpados em nome de seus pais e avôs. Então, isto, muitas vezes, se torna um campo de batalha onde se perpetua a guerra, onde se perpetuam as lutas de poder e é necessário que se faça um movimento de olhar para trás e respeitar e honrar o passado, para que o bom amor triunfe. O bom amor significa a orientação para viver a vida que está no futuro.
“As mulheres estão amarguradas, mas em nome de suas mães e avós que viveram situações de injustiça com seus maridos”
AD: Sobre o conto que está no livro “Onde Estão as Moedas?”, de onde veio a inspiração para escrever esta história? Teve algo relacionado com a observação de casos dos seus pacientes?
JG: Não. As histórias vão crescendo através de mim. E não crescem dentro de um processo fixo. Mas, imagine, como eu trabalho muito com grupos, começo a contar uma história e na próxima semana eu me lembro da história e a aumento um pouco, e depois a amplio mais, até que, afinal, se torna uma história como essa das moedas que é muito bonita e que tem feito bem a muitas pessoas. Esse conto torna muito fácil o entendimento do vínculo com os pais, e que foi uma história que se construiu praticamente sozinha. Pegar as moedas ou não pegá-las, de que maneira superar e encarar as feridas, nos catapulta para uma vida boa ou não. Uma vez, um astrólogo leu o meu mapa astral e me disse que eu deveria ser escritor, romancista, porque tenho uma mente “fabuladora”. Logo depois que ele disse isso, eu pensei que talvez ele estivesse certo. No entanto, ser escritor não é a minha profissão principal. Já escrevi alguns livros, mas é algo que vai paralelo ao meu trabalho terapêutico. Além disso, descobri que através dos livros é possível que se transmita muita coisa que pode beneficiar a muita gente.
AD: Falando sobre livros, está escrevendo algo no momento?
JG: Com os livros acontece o mesmo que descrevi com os contos. Eles vão crescendo dentro de mim. Publiquei um livro, há alguns meses, chamado “La Llave de la Buena Vida”, mas não sei quando vai ser publicado no Brasil. A editora Planeta, daqui, publicou faz pouco “O Amor que Faz Bem”, então acho que levará um tempo até que lancem o próximo. Depois desse último livro, pensei que era hora de descansar um tempo. Mas, não é algo fixo, porque mesmo que queira descansar, as ideias vão surgindo. Estão surgindo algumas ideias novas, então, eu me limito a fazer anotações. Algumas estão escritas, outras estão gravadas … É como se o livro estivesse sendo criado aqui dentro. E, em algum momento, quando eu o tiver mais claro, vou dar forma a ele.
AD: Como foi que começou a trabalhar com Psicologia? O que aconteceu na sua vida para que se decidisse por este caminho?
JG: Eu acredito que a vida, em alguns momentos, nos coloca diante das situações. Os caminhos simplesmente se abrem… Eu estudei Direito. No terceiro ano de faculdade, tive uma crise e aí me dei conta de que não queria ser advogado. Não sabia o que fazer. Tive alguns anos em que não fiz nada em termos profissionais, o que fazia eram coisas de teatro, artísticas, criativas. Nesse momento, o ser humano e suas vivências eram assuntos que me interessava. A partir daí fui parar em um grupo de aperfeiçoamento pessoal, conheci as terapias humanistas, fui participando de grupos e aí a ideia foi se formando… Em um momento específico decidi que o que eu ia fazer da vida era, pois, ser psicólogo. Então, comecei a frequentar a universidade e me formei. Mas as aprendizagens principais não aprendi na universidade. O essencial para trabalhar com pessoas eu aprendi fora dali.
Eu sempre digo que a vida dará o seu jeito para que nos coloquemos em nosso caminho. No meu caso, tive uma crise com o Direito e isso foi bom, porque eu não sei se eu realmente teria sido um bom advogado. Talvez eu até fosse rico, mas não estaria tão feliz. Seja como for, acredito que encontrei a minha verdadeira vocação. Há pessoas que têm uma vocação e esta é uma bênção e, ao mesmo tempo, uma escravidão porque são praticamente obrigadas a segui-la. E há pessoas que não têm a bênção de uma vocação concreta, mas são livres para fazerem muitas coisas. Isto foi algo que eu li em um livro do Dalai-Lama, um dos melhores livros que já li sobre temas organizacionais e empresariais, que se chama “A Arte da Felicidade no Trabalho”.
Então, a felicidade no trabalho também está relacionada a encontrar o próprio caminho, reconhecer o que cada um tem para dar, e dá-lo. Mas, a vida vai sempre nos surpreendendo, nos alterando, e vamos tendo encontros providenciais que nos ensinam, nos reorientam. Um encontro providencial, por exemplo, é o que tive com Claudio [Naranjo], que ainda é meu mestre e com quem estou sempre aprendendo muitas coisas. Também foi providencial o momento em que Bert Hellinger veio para a Espanha através do Instituto Gestalt em Barcelona, o que propiciou que um outro caminho fosse aberto para nós.
“As aprendizagens principais não aprendi na universidade. O essencial para trabalhar com pessoas eu aprendi fora dali.”
AD: Quem é Joan para além do psicólogo e do escritor?
JG: Não sei [longa pausa]. Há muitas coisas que me importam na vida, como os amigos, a família, os filhos. Todos nós temos muitas identidades. Eu tenho a identidade de psicólogo, de terapeuta, de escritor, de pai, de amigo, de filho, de irmão e tantas outras. Acredito que a pessoa usa um espelho e ali vão sendo desenhadas muitas formas, identidades e papéis a serem desempenhados na vida. Mas, creio que há algo de espiritual em todos. Não somente os papéis sociais, a personalidade, senão uma essência mais vazia, mais leve.
Porque, em definitivo, tudo morre. Todos os papéis sociais vão acabar. A pessoa os faz por um tempo, há o êxito, mas logo isso muda. Como quando um amigo morre, ou mesmo quando alguém tem um esposo, mas depois se divorcia. Tudo está em movimento e, ao mesmo tempo, há um ser que é eterno, que é uma vibração, um silêncio. Não sei muito bem o que responder para você. A única coisa é que penso em quem eu sou em termos espirituais. Não sei o que sou. Eu gostaria de sentir a vibração do próprio Ser. Não importa se como jardineiro, como agricultor, como terapeuta, mas sentir a vibração do Ser que não tem uma identidade fixa.
AD: Como é a sua relação com o futuro? O que se vê fazendo em cinco ou dez anos?
JG: Não faz muito tempo, fizeram uma entrevista comigo e me perguntaram o que eu queria ser. Gostaria de não desejar ser diferente do que eu sou a cada momento. Mas, esta é uma resposta profunda. Mas no futuro, o que eu gostaria de fazer… bom, eu não sei.
AD: Não pensa sobre isto?
JG: Toda vez em que faço um imaginário do futuro, eu me vejo mais luminoso, mas não sei exatamente o que estarei fazendo. Somente sei que estarei em contato com pessoas, de maneira terapêutica. Eu também gosto muito da natureza. E acredito que estarei me divertindo. À medida que vamos envelhecendo, pelo menos no meu caso, vai ficando cada vez maior a capacidade para aproveitar cada momento, para viver as coisas que a vida nos traz, sem tantos planos, sem tanto desejo de conquistar nada. No livro, escrevi que há pessoas que passam a metade da vida escalando até o alto da montanha, uma montanha pessoal (seja qual for), e quando chega lá no alto da montanha diz: “Afinal, eu cheguei!” E aí escuta a voz do Universo: “E quem está preocupado com isso?” E então é o momento de descer a montanha. E é o que tememos, as perdas. Aliás, este é o tema do meu último livro: as perdas. Agora que é preciso descer a montanha, ao invés de sentir que algo foi perdido, o ideal é que se sinta mais livre, pelo menos com menos bagagem.
A vida, assim, parece se tornar mais colorida. Uma vez que a pessoa se torna mais madura, se torna mais criança também. No sentido de que pode desfrutar a vida. Assim que, quando eu olho para o futuro, espero que eu esteja aproveitando e me assombrando a cada momento com muitas coisas. Mais, eu não sei. E quem sabe? Na vida, uma pessoa pode morrer a qualquer momento.
“À medida que vamos envelhecendo, vai ficando cada vez maior a capacidade para aproveitar cada momento, para viver as coisas que a vida nos traz.”
AD: O que pensa a respeito da mistura de conhecimentos de outras áreas que alguns terapeutas tem feito na hora de abrir um campo de Constelação?
JG: Eu acredito que essa mistura é inevitável. Nós temos uma mente criativa, uma mente eclética, e muita gente tende a integrar coisas. E, sempre que isso seja feito com um espírito criativo e com um espírito de verdadeira ajuda e serviço aos outros, é algo muito honrável. Devo dizer também que às vezes prevalece o sentido comercial ao sentido da ajuda e uma pessoa trata de criar a sua própria combinação pensando que desta maneira, comercialmente, será melhor, e não tanto pensando se é um bom método ou não, se é uma boa maneira de trabalhar para o bem das pessoas. Hellinger integrou muitas coisas. Ele estudou análise transacional, psicanálise, dinâmica de grupos, terapia Gestalt, terapias sistêmicas e hipnoterapia. Então, o que ele criou não vem do nada. Há muitas raízes por trás. No final, todo núcleo de ajuda precisa lidar com os assuntos do coração, os assuntos existenciais, e estimular a nos entregar à vida. Esses são os assuntos chave.
AD: Você tem um trabalho com Eneagrama e Gestalt. Gostaria de saber como utiliza essas ferramentas em seu trabalho com as Constelações Familiares.
JG: Uma pessoa come laranjas e maçãs e elas se tornam nutrientes e por isso a pessoa vive. Mas, não saberia dizer se a pessoa vive com as laranjas ou com as maçãs. Isso significa dizer que tenho muitos anos no mundo da terapia e da ajuda e aprendi e ensinei muitos métodos, entre eles, Gestalt, Programação Neurolinguística e trabalhos corporais. Sou um discípulo de Claudio Naranjo, que é a pessoa que desenvolveu o Eneagrama. Assim, quando trabalho com Constelação, utilizo tudo. Em alguns momentos, coloco mais ênfase em aspectos da Gestalt relacionados ao momento presente. Mas eu não o faço de maneira consciente. Na realidade, eu não tenho protocolos de trabalho, exceto me abrir ao momento presente e ao encontro com a outra pessoa para gerar uma experiência que clarifique os assuntos de sua vida, que ofereça recursos ou sua própria cura.
AD: Qual é a aprendizagem que você levou do seminário em Curitiba [realizado em novembro de 2014]?
JG: Eu já estive muitas vezes no Brasil, mas os brasileiros são intensos aqui em Curitiba. Este seminário foi muito intenso. Também foi muito enriquecedor, porque falamos sobre os grandes temas da vida: a morte, a felicidade, o relacionamento a dois, o desamor. Houve trabalhos em que surgiram histórias de violência, de assassinatos. Foi tudo muito enriquecedor. A vida tem todas essas formas e aqui em Curitiba isso também se mostrou. Eu também estou feliz porque as pessoas estavam completamente entregues, muito abertas, muito receptivas. E eu fiquei muito feliz por ser tão bem recebido aqui.
AD: E qual é a mensagem que gostaria de deixar para os brasileiros?
JG: Que da próxima vez que eu estiver aqui, que também me levem para passear, para me divertir, não somente trabalhar. Que me levem à praia, às águas quentes. Isto que acabo de falar é um pouco frívolo, um pouco egoísta [risos]. Não sei. Minha mensagem para todos é:
“Vivamos, sejamos felizes, porque o nosso tempo pessoal na Terra é limitado e vale a pena aproveitá-lo bem.”
Matéria publicada originalmente no site www.aliceduarte.com
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